Esta tomada de consciência norte-americana, que tem neste conflito aceso na Palestina uma segunda frente de "batalha" de proximidade, depois da guerra na Ucrânia, resulta do claro desafio da Administração do Presidente Joe Biden à capacidade de gestão de crises, ainda por cima quando já está numa terceira frente de combate, mas desta vez interna, com os Republicanos de Donald Trump para a conquista de um segundo mandato de quatro anos na Casa Branca nas eleições de Novembro de 2024.
Não é segredo para ninguém que é em Washington que Israel tem a sua fonte de rendimentos garantida que lhe permitiu erguer a mais robusta e diversificada economia do Médio Oriente, um dos mais poderosos exércitos do mundo, bem como a "carta branca" para alargar as suas fronteiras na Palestina (cerca de 70%) a ponto de ser o país em todo o mundo que mais ganhou territórios desde a sua criação, em 1948, em desfavor dos palestinianos que nem sequer lhes foi permitido ter o seu próprio Estado.
Só que, se os norte-americanos podem bem com a pressão exercida por Israel sobre os palestinianos ao longo de décadas - apesar do brutal e sanguinário ataque do Hamas ao sul de Israel a 07 de Outubro (ver links em baixo nesta página) ter fornecido um enorme capital de simpatia a Telavive em todo o mundo -, o mesmo não acontece quando o conflito entre israelitas e palestinianos incendeia as ruas do mundo árabe, como está agora a suceder, especialmente depois da assimétrica e mortífera resposta de Telavive sobre Gaza, território minúsculo com 365 kms2 e 2,3 milhões de habitantes onde há 13 dias cai uma chuva de bombas que não está a deixar pedra sobre pedra.
E o que está a pesar sobre os ombros da Administração Biden é a possibilidade de o Irão colocar o seu, oficiosamente, braço armado na região, o Hezbollah, movimento armado estacionado no sul do Líbano, no campo de batalha, bem como países como o Iraque, a Arábia Saudita, a Síria ou mesmo o Qatar, um aliado político directo do Hamas, não conseguirem resistir à pressão popular das ruas, onde milhões de pessoas, especialmente depois do bombardeamento israelita - Telavive nega e diz que foi a Jihad Islâmica, um grupo aliado do Hamas nesta guerra - ao Hospital Baptista al-Alhi, de Gaza deixando um rasto, dependendo das fontes, de entre 300 a 500 mortos.
Em causa não está apenas a possibilidade de o petróleo ter uma escalada estratosférica e criar ainda mais problemas à já aflita economia norte-americana, que, no fim, é o que vai definir o resultado das eleições de 2024, como as sondagens o demonstram e nas quais Joe Biden surge cada vez mais enfraquecido, mas também o risco de desmoronamento do esforço norte-americano de redefinir o xadrez diplomático regional com o estabelecimento de relações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita, bem como com outros países árabes onde isso já foi feito, desde lofo os Emirados Árabes Unidos...
O fósforo mais próximo do rastilho do barril de pólvora (petróleo) que é o Médio Oriente é a anunciada invasão terrestre a Gaza por Israel que, para isso, colocou na fronteira com o território milhares de carros de combate e peças de artilharia, além de mais de 300 mil soldados, que o ministro da Defesa, Yoav Gallant, israelita veio agora, na quinta-feira, voltar a dizer que está para breve, embora essa ameaça já esteja em cima da mesa desde esse mesmo Sábado em que o braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, aterrorizaram o sul de Israel como nunca tinha acontecido, deixando mais de 1300 mortos, mais de 2 mil feridos e fazendo cerca de 200 reféns, que levaram para Gaza.
E os 100 mil milhões de dólares que Biden pediu de urgência ao Congresso para enviar para Isarel e Ucrânia, podem muito bem ser um incentivo para que Telavive repense a sua actuação nesta guerra...
A justificação de Biden é, no entanto, distinta do que tem sido até aqui, trocando os princípios da defesa da democracia e da liberdade pela ideia de que este dinheiro é um investimento na segurança dos EUA para as "gerações vindouras".
Satisfazer desejo de vingança não vai ser fácil
A sede de vingança israelita pelo massacre de 07 de Outubro não está nem vai ser fácil de contentar, porque, apesar dos já mais de 3.800 civis palestinianos mortos e os mais de 12 mil feridos, numa grande parte crianças, mulheres e idosos, que já ficaram debaixo do tapete de bombas da aviação israelita, a máquina de guerra estacionada na fronteira com Gaza continua a rugir e a mostrar os dentes e só não avançou ainda, como a imprensa israelita nota amiúde, porque Washington, apesar da retórica de apoio incondicional a Telavive, está a fincar o pé na porta do paiol dos falcões de guerra que o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau tem na sua gaiola prontos a voar sobre Gaza.
Os raides aéreos israelitas são incessantes, de noite e de dia, destruindo, com estrondo nunca visto na região, centenas de prédios, hospitais, escolas e centros de apoio das Nações Unidas, campos de refugiados... a histórica Mesquita Al Omari, no norte do território, ou o complexo social da emblemática Igreja Cristã Ortodoxa de São Porfírio, do século XII, o templo cristão mais antigo de Gaza, onde terão morrido e sido feridos, esta sexta-feira, dezenas de pessoas, com a intenção de desalojar os terroristas do Hamas das suas tocas, mas, de facto, tornando apenas infernal a vida de milhões de palestinianos, na sua esmagadora maioria sem militância neste movimento islâmico político-militar.
Depois de mais de 700 mil palestinianos do norte de Gaza, dos 1,1 milhões a quem Israel ordenou que fugissem para o sul do território, terem já passado o Rio Wadi, que delimita a alegada zona segura, embora os bombardeamentos a sul se mantenham, como é disso exemplo a cidade de Khan Yunis, Israel tem perto de 400 mil civis na região que pretende invadir para "acabar com o Hamas de uma vez por todas".
Porém, segundo a agência Bloomberg, que cita fontes do Exército israelita, estes planos estão em constante mutação e a hipótese de travar em definitivo a invasão terrestre é agora mais real que nunca devido à pressão de Washington, cujo papel neste conflito, ainda segundo este media, é agora mais pesado que nunca.
E a razão é a necessidade de impedir o alastramento da guerra na região, porque a ameaça do Hezbollah é real e os dois porta-aviões, e as respectivas esquadras navais, que excepcionalmente os EUA enviaram para a costa mediterrânica israelita, não servem de elemento dissuasor suficiente, bem como não parece ter servido a repetição do aviso de Joe Biden para que nenhum actor regional se intrometa nesta guerra entre Israel e o Hamas.
Alias, o exemplo desse risco é a troca de fogo entre o Hezbollah e as forças de defesa de Israel (IDF) na fronteira com o Líbano, que se tem intensificado dia após dia, especialmente depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, ter vindo a público, alto e bom som, dizer que se Gaza for mesmo invadida, Telavive pode contar com novas frentes de guerra.
Também o Rei da Jordânia, Abdullah II, disse que a invasão a Gaza seria um "acto de guerra" regional, e do Egipto, norte de África, ao distante Paquistão, Ásia do sul, a voz da rua têm sido, em uníssono, favorável aos palestinianos, o que deixa Israel, pelo menos, com a necessidade de pensar duas vezes no que vai fazer, com, de resto, lhe tem sido dito, em privado, pelos lideres da Alemanha, Olaf Scholz, do Reino Unido, Rishi Sunak, e dos EUA, Joe Biden, todos com carimbos do aeroporto de Telavive no passaporte por estes dias, esperando-se que o francês Emmanuel Macron também ali passe ainda neste fim-de-semana.
Colateralidades e censura
Entretanto, a sul de Gaza, na fronteira de Rafah, com o Egipto, centenas de camiões com ajuda humanitária aguardam para entrar no território, depois dos governos israelita e egípcio terem dado autorização, por pressão dos EUA sobre Telavive, que tem, por acordos antigos, assinados após a Guerra dos Seis Dias, ou guerra Israelo-Árabe, em 1967, ganha pelo Estado hebreu, a última palavra sobre quem passa e não passa neste posto fronteiriço.
Inicialmente prevista para esta sexta-feira, essa entrada deverá ocorrer apenas no Sábado, segundo a imprensa internacional, devido à necessidade de reparar estradas destruídas pelos bombardeamentos israelitas dos últimos dias.
Soube-se igualmente hoje que o Governo israelita aprovou medidas excepcionais para lidar com a imprensa, cancelando temporariamente a licença da Al Jazeera, canal de televisão de notícias do Qatar.
A justificação para esta medida radical, embora não inédita, porque, recorde-se, na União Europeia, a presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen, também impôs a censura como política oficial fechando o sinal dos media russos em todos os Estados-membros, para "proteger os europeus da propaganda de Moscovo", é que, segundo o ministro das Comunicações, Shlomo Karhi, "estando o país em guerra, não permitiremos nenhum media que ponha em causa a segurança de Israel".
Sendo ainda mais específico, adiantou que a Al Jazeera, que tem, de longe, a mais abrangente e plural cobertura desta guerra, "constitui o incitamento contra Israel e ajuda o Hamas com a sua propaganda" ao mesmo tempo que "encoraja a violência contra Israel".