Dmitry Kuleba estava arredado do "filme" ucraniano para convencer os Estados Unidos a não saírem do papel de maior apoiante de KIev , o que, cada vez mais, parece inevitável, e os europeus para diluírem os estragos com a reviravolta operada em Washington.

O seu reaparecimento em "acção" não vem com novidades, como se viu na conferência de imprensa onde anunicou uma deslocação à América do Sul, com o objectivo de desviar o Brasil e vizinhos para a causa ucraniana quando estes parecem mais virados para a Rússia.

Nessa conversa com os jornalistas, Kuleba disse estar "totalmente chocado" com a demora na aprovação pelo Congresso norte-americano do pacote de ajuda financeira de 60 mil milhões USD proposto pelo Presidente Joe Biden, ignorando que o impasse não é passageiro, mas sim estrutural.

Isto, porque desde o final do Verão de 2023, quando ficou claro que a contra-ofensiva ucraniana, financiada pelos países da NATO, falhou estrondosamente, dando inicio à paulatina mas clara saída de cena dos EUA do topo da lista dos financiadores de Kiev.

A justificação é a Câmara dos Representantes, de maioria da oposição republicana, estar a travar a aprovação do dinheiro pedido por Joe Biden, democrata, colocando como moeda de troca o fecho das fronteiras com o México às vagas de migrantes oriundas da América Latina.

Como vários analistas sublinham, este impasse, que tem muito de estratégico, porque, com o decurso da campanha eleitoral para as Presidenciais de Novembro, interessa aos democratas, por quem Biden concorre a um segundo mandato, e aos republicanos de Donald Trump.

Isto, porque a Ucrânia é um factor de desgaste político em ambos os lados, a que acresce o imbróglio em Gaza, onde Biden parece estar em dificuldades para controlar a impetuosidade belicista do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau, causando ruído eleitoral negativo.

Além disso, tanto Biden como Trump estão cientes de que o grande desafio para os EUA é a China e a frente criada entre Pequim e Moscovo, com o apoio de dezenas de países, incluindo os gigantes Índia, Brasil, Indonésia... para erguer uma nova ordem mundial.

Essa nova ordem mundial pretendida pela China, Rússia e "aliados" do Sul Global visa substituir a ordem internacional saída da II Guerra Mumdial cujas regras foram desenhadas pelo Ocidente para beneficiar em primeiro lugar os Estados Unidos e a Europa ocidental.

Com tamanho desafio pela frente, embora uma vitória da Rússia sobre a Ucrânia seja um passo relevante nessa caminhada de diluir a relevância ocidental no mundo, nos EUA, pelos indícios conhecidos, e os analistas acentuam, a prioridade é a China, o grande adversário, e Gaza.

E resta à União Europeia e aos seus países membros com maior capacidade financeira e militar desempenhar o papel que era o dos EUA no "filme" da guerra na Ucrânia, como, de resto, está a ser, finalmente, assumido pela França, Alemanha ou a Polónia, os três gigantes europeus.

Só que a capacidade financeira e militar norte-americana é inigualável pelos europeus e os ucranianos ficarão sempre a perder na substituição de papeis, como o "choque" em que Dmitry Kuleba ficou face ao fade out norte-americano o demonstra sem margem para dúvidas.

Kuleba explicou que o que "mais choca" é que o Congresso dos EUA tarda a tomar uma decisão face às necessidades na frente de guerra, onde faltam munições, novas armas, que os 60 mil milhões USD encravados na disputa entre democratas e republicanos garantiriam.

Mas o chefe da diplomacia ucraniana deixou uma palavra de esperança numa decisão para breve em Washington porque no fim os EUA "não falham no apoio aos países que respeitam as mesmas regras e princípios que defendem em todo o mundo".

Talvez estas palavras de Kuleba não tenham sido medidas com precisão diplomática, porque um dos princípios mais verbalizados pelos EUA, historicamente, é o compromisso com as regras básicas da democracia e essas estão a ser postas em causa em Kiev neste momento.

Isto, porque o Presidente Zelensky já disse que as eleições Presidenciais de Maio deste ano não vão acontecer devido ao estado de guerra, o que, se por um lado serve de justificação, por outro é uma brecha funda na democracia que tanto agrada à retórica de Washington.

E a complicar ainda mais a vida no regime de Kiev, se as sondagens estiveram afinadas, porque todas coincidem, Donald Trump, que já disse querer acabar com a guerra de imediato e se mostra indiferente ao destino dos ucranianos, deverá regressar à Casa Branca em 2025.

Trump disse mesmo que a haver envio de dinheiro para Kiev, será na forma de empréstimo e não uma oferta, o que não é recusado por Kuleba embora o ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhe que precisa de "ver as condições nos seus pormenores".

Até porque sabe, como é natural, que se Trump quiser cumprir com o que está a dizer por estes dias mas não enviar dinheiro para Kiev, basta-lhe impor condições draconianas nos acordos de crédito, desde prazos apertados a juros insustentáveis, entre outros "pormenores".

Zelensky também falou (Lusa)

O presidente ucraniano, como avançou a Lusa, congratulou-se na terça-feira à noite, no seu discurso à nação, com o facto de alguns dos aliados de Kiev terem anunciado, numa reunião na Alemanha, mais assistência militar à Ucrânia, que inclui ajuda de artilharia.

Volodymyr Zelensky revelou ainda que a Ucrânia está a trabalhar na assinatura de novos acordos bilaterais de segurança como os que já alcançou com países como o Reino Unido, Alemanha e França.

Nestes acordos, os parceiros da Ucrânia definem o montante que irão gastar para ajudar Kiev este ano e comprometem-se a oferecer apoio militar durante os próximos 10 anos.

"Haverá novos pacotes de defesa, incluindo artilharia", disse Zelensky, que lembrou que a Ucrânia sofre de "escassez" nesta matéria.

O chefe de Estado ucraniano também saudou a decisão de mais países aderirem ao plano checo de compra de 800 mil munições de artilharia fora da União Europeia, que serão depois entregues à Ucrânia.

Os países que aderirem ao plano contribuem com dinheiro para adquirir essas munições.

"É claro que a prioridade da defesa aérea, da guerra eletrónica (meios) e dos 'drones' ainda existe", disse Zelensky, que agradeceu aos países que o ajudam nestes domínios.

O líder ucraniano declarou que "os drones ucranianos já estão a dar resultados sólidos", referindo-se aos dispositivos de produção própria, e antecipou "um impulso significativo" na cooperação com parceiros estrangeiros no domínio dos dispositivos não tripulados.

O ministro da Defesa ucraniano, Rustem Umérov, participou na reunião de aliados ucranianos realizada na Base Aérea dos Estados Unidos de Ramstein, no sudoeste da Alemanha, e explicou os resultados mais importantes no final da reunião.

"Os parceiros anunciaram pacotes de ajuda que incluem munições de artilharia de 155, 152 e 105 mm", disse o ministro, ainda citado pela Lusa, reconhecendo que as forças ucranianas precisam urgentemente de mais artilharia.

Umérov explicou ainda que a Ucrânia receberá "mais mísseis" para os seus sistemas de defesa aérea e saudou a entrada de mais países na chamada coligação de 'drones', que procura dotar as forças de Kiev de mais recursos.

O ministro da Defesa ucraniano destacou também as medidas que estão a ser tomadas para que os caças F-16 ocidentais cheguem à Ucrânia o mais rapidamente possível.

À margem da reunião, a Alemanha anunciou um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia no valor de 500 milhões de euros, composto por dezenas de milhares de munições.