Há meses que a generalidade dos media ocidentais, primeiro a medo e depois sem receio, noticiam que a capacidade militar ucraniana está a desaparecer a um ritmo insustentável e que isso acabará, se não houver alterações, por levar ao seu colapso.

Ao mesmo tempo, primeiro sem grande efusividade e depois com plena constatação, começaram a revelar a crescente capacidade da indústria militar russa, que se adaptou ao esforço de guerra surpreendendo a NATO, apesar das pesadas sanções ocidentais.

E agora, com maior ênfase nos media russos e nos canais das redes sociais mais inclinados para Moscovo, mas com ramificações acanhadas para as plataformas de comunicação ocidentais, os russos podem estar a tentar dar um golpe fatal na extenuada força militar ucraniana.

Isso só será possível porque os russos estão a fazer chover sobre as fortificações de Kiev as estranhas mas imparáveis FAB (bombas de grande tonelagem guiadas por GPS) e porque os ucranianos estão a ser abandonados por EUA e União Europeia, apesar da retórica contrária.

Ouvindo os líderes ocidentais e aliados de Kiev, todos membros da NATO, as palavras de apoio e promessas de infinita solidariedade não encaixam na realidade dos factos, que é, cada vez mais evidente, uma redução existencial da ajuda militar e financeira ao regime de Zelensky.

A traição ocidental

Desde o início da invasão russa que se sabia que Kiev não tinha condições de suster a força russa e que só um fluxo ilimitado e ininterrupto de armas e dinheiro ocidental poderia travar o Kremlin no seu avanço pelo território ucraniano.

O Presidente Zelensky estava ciente desse facto e, dias depois dos primeiros blindados russos entrarem no leste da Ucrânia, já estava a preparar um acordo de paz com Moscovo que lhe iria permitir manter a integridade territorial total e a saída dos invasores.

Bastava aceitar, como estava pronto a aceitar, que a Ucrânia se manteria um país neutro, fora da NATO, e que as populações russófilas e russófonas estariam devidamente protegidas nos seus direitos... só que a Kiev chegou, de rompante, o terramoto Boris Johnson.

O então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi a Kiev, como porta voz dos EUA e da NATO, impor a Zelensky a saída do acordo, que estava a ser negociado em Istambul, na Turquia, prometendo-lhe "apoio sem limites e até onde fosse preciso para derrotar Putin".

O impetuoso Boris, sabe-se hoje, também abriu a porta da NATO à Ucrânia e prometeu que o Reino Unido e os Estados Unidos tudo fariam para forçar a sua entrada acelerada na União Europeia, como de resto, depois a presidente da Comissão Europeia confirmou.

E a verdade é que Zelensky cumpriu tudo o que prometeu a Boris Johnson e, depois, em dezenas de encontros com líderes ocidentais, incluindo os Presidentes dos EUA, e de todos os países da União Europeia, que reconfirmaram ruidosamente como objectivo a "derrota total de Moscovo no campo de batalha".

Palavras e actos são coisas diferentes

Quem está estrondosamente a falhar com a palavra dada a Vladimir Zelensky são os lideres ocidentais, desde logo o Presidente Joe Biden, mas também o Reino Unido, e a União Europeia, mesmo que todos jurem a pés juntos que não se vão arredar do prometido.

Só não vão como já se desviaram totalmente dos compromissos assumidos com Kiev, primeiros os EUA, devido a questões de política interna e um esmorecimento evidente de Joe Biden na condução da guerra na Ucrânia contra a Rússia através dos ucranianos.

Os EUA só ainda não saíram totalmente de cena porque se exporiam à situação de falta à palavra dada, o que seria dramático para as alianças em várias partes do mundo, gerando desconfiança que poderia ser muito prejudicial aos seus interesses geoestratégicos.

Mas o caudal de armamento e de dinheiro para Kiev passou de 80 a 8 em escassos meses, servindo como justificação o impasse no Congresso entre republicanos e democratas que, segundo vários analistas, serve como almofada para a mudança estratégica de Washington.

E na União Europeia, que, devido à proximidade geográfica, ficou com a responsabilidade de suprir o défice em apoio gerado pelo fade out dos Estados Unidos, a fórmula encontrada é semelhante à de Washington, dar garantias verbais com escassa tradução material.

Devido aos problemas entre os 27 países do bloco europeu para acertar agulhas, e depois de aprovada uma verba de 50 mil milhões euros para cinco anos, muito longe das somas que chegavam dos EUA, Kiev começa a sentir um vazio entre o que se diz e o que se faz em Bruxelas.

Quando esta redução do apoio se começou a sentir, há cerca de meio ano, Zelensky chegou a falar em "traição" para com Kiev de europeus e norte-americanos, mas rapidamente travou o passo porque isso seria má política, segundo ouviu dos seus conselheiros.

Só que, nessa altura, não estava iminente o colapso das forças ucranianas no campo de batalha, não era tão evidente a superioridade em todas as áreas dos russos, não faltavam munições, os sistemas antiaéreos ainda funcionavam... e as FAB de Moscovo ainda não voavam.

Isto é relevante porque, como o assumem já sem esconder o incómodo os analistas militares pró-ucranianos, as FAB, que são bombas, muitas delas do tempo da União Soviética, às quais foi agregado um sistema de guia por GPS e uns ailerons que lhes permitem voar mais de 60 kms.

Às antigas FAB de 250 e 500 kgs, a indústria russa está já juntar FAB"s de 1500 kgs e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, acaba de apresentar as novas de 3000 kgs, cujo lançamento é feito de aviões SU-34 e SU-35, graças à destruição dos sistemas antiaéreos de Kiev, dando uma superioridade aérea aos russos sem paralelo nesta guerra.

Mas a importância destas novas armas passa pelo facto de não ser possível travá-las em voo, apenas através do abate dos aviões que as lançam a mais de 50 kms, o que só é possível pelos sistemas antiaéreos Patriot, dos EUA, os Iris-T alemães ou os antigos S-300 soviéticos.

E ainda porque as fortificações que os ucranianos estão a erguer para impedir a chegada dos russos ao Rio Dniepre, incluindo bunkers de betão, não aguentam o poder destruidor das FAB"s, o que está a gerar inquietação extra no ocidente porque nada parece poder travar as forças do Kremlin.

Ir ao dinheiro dos russos...

E o desespero entre os europeus é de tal ordem, até porque, com o aproximar das eleições nos EUA, em Novembro, nada parece, igualmente, poder travar - as sondagens assim o dizem - o regresso de Donald Trump, o "amigo" de Putin, à Casa Branca, levando a medidas muito polémicas.

E uma delas é usar as centenas de milhares de milhões de dólares russos congelados nos bancos ocidentais, no ªambito das sanções a Moscovo, para enviar apoio financeiro para Kiev, o que, no que importa, seria a Rússia a financiar a guerra ucraniana contra a... Rússia.

Esta medida é de tal modo polémica e perigosa, porque deixa em evidência o risco de todos os países do mundo que têm as suas reservas financeiras depositadas nos bancos ocidentais porque estes oferecem uma segurança ímpar, deixarem de confiar e levantarem o seu dinheiro.

O que os analistas dizem, até porque entre os países aliados de Kiev esta medida não é consensual, devido aos riscos de desconfiança nos mercados financeiros ocidentais, é que a Comissão Europeia só seguirá este caminho se estiver sem outras alternativas.

E isso deixa perceber o enorme problema que Ursula von der Leyen tem em mãos, até porque os EUA também admitiram seguir este caminho, ainda em 2023, mas travaram o processo rapidamente devido aos riscos de desmoronamento da confiança no seus sistema financeiro.

Ainda assim, Ursula Leyn disse já esta semana que vai ser possível fazer chegar a Kiev os primeiros mil milhões de euros de dinheiro russo, tirados, para já, do montante dos juros conseguidos com o dinheiro congelado... mas fica aberto o precedente.