Num cenário de quase catástrofe nacional, com a Tunísia com um dos mais altos índices de mortalidade em todo o mundo, com quase 570 mil casos e a chegar aos 19 mil mortos, apenas atrás da África do Sul no continente africano, o Presidente Saied viu-se "forçado" a assumir uma posição de força face ao Governo de Mechichi, que se tem revelado incapaz de resolver a profunda crise no sistema nacional de saúde.

Com os hospitais sem capacidade de resposta, com a falha generalizada de oxigénio e com o povo literalmente nas ruas a exigir medidas, e num contexto de crise política em que o país se encontra desde a "primavera árabe" que também sacudiu este país do Norte de África em 2010/11, levando à deposição do Presidente Bem Ali, que governava com mão-de-ferro desde 1987, o actual Presidente optou por suspender a frágil democracia tunisina, com consequências que os analistas admitem ser impossível de prever, para já.

Depois de ser conhecida a decisão, as ruas de Túnis, que no Domingo foram palco de gigantescos protestos, voltaram hoje a encher-se de pessoas a festejar o afastamento de Mechichi, um cenário que a imprensa internacional relata como só sendo comparável ao que sucedeu com a queda do ditador Ben Ali, em 2011.

Mas, como em todas as crises políticas, nestas primeiras horas tudo se mantém em aberto.

Isto, porque, como relata o The Guardian, bem como as agências internacionais a partir da capital tunisina, uma das mais veementes reacções veio do presidente da Assembleia dos Representantes do Povo (Parlamento), Rachid al-Ghannouchi, que, pouco depois da decisão polémica de Saied, lançou severas críticas ao Presidente e anunciou a convocação de uma sessão parlamentar para hoje, segunda-feira, em claro desafio à suspensão deste órgãos legislativo tunisino.

Isto é especialmente relevante porque Rachid al-Gannouchi é o líder e co-fundador do Movimento Ennahdha, o maior partido da Tunísia, de raízes islâmicas e com grande capacidade de mobilização popular entre as camadas mais baixas da sociedade tunisina, ainda fortemente afectadas pela crise dos últimos anos e que é (era) o suporte político do primeiro-ministro Hichem Mechichi.

Todavia, a resposta não se fez tardar e o Exército fiel a Saied tomou posições nas imediações da Assembleia de forma a impedir que o desafio lançado contra si pelo líder do órgão agora suspenso tivesse lugar.

Rachid al-Gannouchi, que não conseguiu entrar no Parlamento, afirmou, citado pelas agências, que não vai aceitar que o poder fique nas mãos de uma única pessoa, o que é visto localmente como uma recordação do que foram os anos da ditadura de Ben Ali no país.

Embora seja ainda cedo para dar como certo que Kais Saied vai conseguir impor a sua vontade, suspendendo o Parlamento e assumindo ele todos os poderes executivos, argumentando que isso é para melhor lidar com a crise sanitária e a pandemia da Covid-19, a verdade é que o Presidente mostrou estar à-vontade ao juntar-se aos seus apoiantes nas ruas de Túnis para celebrar a demissão de Mechichi e do seu Governo que se mostrou incapaz de lidar com o problema que tinha em mãos.

No Domingo, quando os protestos se intensificaram, a capital tunisina voltou a ser palco de confrontos violentos entre manifestantes e as forças de segurança que procuravam travar os protestos, arremessando pedras e montando barricadas, queimando pneus, fazendo lembrar os anos de chumbo de 2010, 2011, quando a "primavera árabe" varreu o Norte de África e o Médio Oriente.

A par da crise sanitária, também a aparente inacção governativa devido aos bloqueios mútuos entre o Presidente e o Governo do Movimento Ennahdha tem gerado forte insatisfação popular, com as sondagens a mostrar que a maioria dos 12 milhões de tunisinos está farta de ausência de resultados prometidos pelos governantes que substituíram o regime ditatorial de Bem Ali, largamente comprometidos pela pandemia gerada pelo Sars CoV-2, que deixou a descoberto de sobremaneira as fragilidades económicas da Tunísia, país que tem no turismo uma das suas principais fontes de receita e que, agora, se eclipsou.

O dia de hoje, segunda-feira, tem sido de protestos e de indefinição política. Com milhares de pessoas nas ruas, os media locais admitem ser impossível garantir qual o desfecho de mais esta crise.