São Neto é, na minha opinião, uma das mais esclarecidas intelectuais angolanas no que se refere à análise do País em quase todas as suas facetas. Custa-me dizê-lo no feminino porque nessa consideração integro todos os intelectuais. Por tal razão, é penoso constatar, que eu saiba, que nenhum Presidente da República, Ministro de Estado, Ministro do Planeamento ou da Educação, e talvez mesmo da Cultura, ou líder partidário, a chamou para opinar, com maior ou menor regularidade, sobre os problemas, as políticas ou o rumo do País. Talvez se o fizessem, assim como a outros evidentemente, nas diferentes esferas, tivéssemos hoje uma Angola diferente.

Ouvir e saber ouvir é uma prática tradicional, mais ou menos comum na diversidade do mosaico cultural angolano, que se perde quando as diferentes lideranças fazem a transição para o poder de Estado ou para outras instituições formais, e aqui não excluo nenhum tipo de instituição, com excepção das que confirmam a regra. Ao longo de quase 45 anos de independência, não me parece ter havido a preocupação de estabelecer diálogos alargados ou consensos para a solução das crises que vivemos. O fim da guerra no início dos anos 90 foi apenas uma negociação entre as duas partes em conflito, como haviam sido as negociações para a independência.

Hoje existem mecanismos de participação da sociedade na discussão da polis que poderiam ser adoptados para, com base no nosso substrato cultural, se discutirem os complexos problemas da Nação. Os diferentes poderes não os conhecem ou ignoram-nos. Mesmo para tratamento de aspectos mais simples, como a discussão sobre políticas públicas ou ante projectos de leis, são usados mecanismos de auscultação ultrapassados ou viciados. Participação é um processo com várias etapas, desde a simples informação à co-gestão ou mesmo autogestão. Em Angola fica-se, quando muito pela auscultação, na maior parte dos casos muito viciada.

O Presidente João Lourenço tem dado alguns passos no bom caminho, mas são claramente insuficientes. Estamos a viver uma crise multidimensional e não me parece que seja possível vencê-la sem um diálogo sem filtros. Os desafios têm cariz económico, financeiro, social, institucional, cultural, ambiental, religioso, político, de valores se quisermos, e torna-se difícil encontrar um domínio da vida nacional onde a crise não se faça sentir.

Uma só pessoa não pode enfrentar todos eles, principalmente se não dispuser de um aparelho auxiliar muito dotado ou uma espécie de estado-maior extremamente competente. A simples constatação de falhas nas nomeações de governantes ou na aprovação de alguma legislação ou ainda no modo como (não) se comunica, do conhecimento geral, mostra que o Presidente não tem as "massuícas" necessárias que permitam ferver a água.

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