Se, por um lado, João Lourenço respondeu a uma questão que tem sido vezes sem conta colocada sobre a mesa, por outro, abriu caminho para outras interpretações não menos importantes sobre a necessidade de uma viragem que, de facto, não só se limita a uma única figura mas a um problema sistémico que foi a governação angolana.

É claro que os problemas de Angola não se esgotam na governação enquanto exercício político como tal, mas sobretudo nos mecanismos que dão forma a esta mesma governação. E, neste sentido, existem aqui questões bastante estruturantes que são de todo indispensáveis para podermos mais tarde começar a falar numa alteração ou mudança, se quisermos, do sistema.

Uma das alegações categóricas de João Lourenço é a de que, por conhecer bem o sistema, está em melhores condições para alterá-lo. Ou seja, o que nos quer dizer é que só quem esteve e conhece todos os esquemas fraudulentos que deram lugar à ingovernabilidade é que estaria ou está em condições de fazer toda a diferença. A afirmação, se vista num único prisma, o da governação, pode parecer inocente, mas há um outro lado da questão que precisa de ser devidamente esclarecida: a questão dos mecanismos do poder.

Ao assumir e admitir que "todos fizeram parte do sistema", ou seja, referindo-se a todos aqueles afectos a uma elite política que se fez também económica e que dominou o quadro dos mecanismos governativos que tinham em mãos o Poder Político, o Presidente da República fê-lo com a clara intenção de limitar o alcance dos tentáculos do tal sistema à acção política. Tê-lo-á feito em consciência, com o propósito de minimizar o impacto legal da acção política, legitimada por um outro poder?!

Um problema que hoje se põe e que está muito longe de parecer uma mera birra política é a eleição do novo presidente do Conselho Nacional Eleitoral, cujos meandros do relatório foram por este semanário publicado na sua última edição.

Prova mais do que evidente de que estamos perante um quadro em que o sistema não mudou, tal como diz o Presidente João Lourenço na entrevista à DW. E prova que não mudou é que, mesmo diante de uma providência cautelar, a Assembleia Nacional já veio a terreiro dizer que vai dar posse ao candidato vencedor do processo manchado por alegadas irregularidades e inconstitucionalidades.

Como compreender, neste sentido, que o sistema mudou se os mecanismos que levam ou que legitimam o Poder Político no país estão não só sob forte suspeição, como atentam contra um princípio importantíssimo: o princípio da legalidade?

Como compreender que o sistema mudou se a mesma Assembleia Nacional, que não é um órgão executivo, mas que se furtou de fiscalizar este último por sua livre iniciativa, não vê com os olhos de ver todo um conjunto de questões que se levantam em torno do processo electivo do novo presidente da CNE?

Uma mudança em Angola que queira granjear algum sentido de razoabilidade deve ser acima de tudo transparente e estar longe de qualquer indicador fraudulento, como de resto vão sendo os processos eleitorais no país. Uma democracia só o é se a vontade expressa nas urnas constituir o principal instrumento legitimado da acção governativa. Nenhum sistema muda por ter novos actores... Os sistemas mudam quando há uma alteração do paradigma, não apenas no plano das ideias mas sobretudo no da concretização dos objectivos enunciados. Dizer só que o sistema não é o mesmo não o torna imune de actos fraudulentos.