Estás sim, connosco; tu que tinhas o sentimento de família sempre presente e cuidavas de o manter, mesmo em circunstâncias ditadas pelas áleas da vida e de que procuravas atenuar os impactos negativos; mas, infelizmente, nem sempre bem-sucedidos.

De uma longa e bem-sucedida actividade militante e diplomática, desde as "démarches" na Europa nos idos da década de 50 para a criação do Movimento Popular de Libertação de Angola, e até à proclamação da Independência pelo Presidente Agostinho Neto, o teu fim de carreira foi, infelizmente, tratado com desconsideração, desrespeito e achincalhamento por quem, MPLA e Estado, te deviam mais consideração, respeito e carinho, tu, o «Decanu-Decanorum», o «Embaixador dos Embaixadores». O Embaixador a quem foram escamoteados os legítimos direitos de fim de mandato (bilhete de regresso ao País, contentor para transporte dos "tarecos" e outros bens pessoais).

Quê das condecorações ou das medalhas de mérito estatais que foram atribuídas a outras personalidade e entidades? Não terias sido merecedor?

Muitas mensagens nos chegaram de todo o lado: do MPLA; do MIREX; de partidos opositores (destaco aqui o de um dirigente da UNITA, o deputado Lukamba-Gato); da camarada Maria Eugénia Neto, da Fundação Sagrada Esperança; de individualidades de Portugal, da França, da Alemanha, de Marrocos, de Cabo Verde (de velhos companheiros das nossas lutas: Presidente Pedro Pires, embaixador Silvino da Luz, entre outros); e de amigos e parentes, entre tantos e muitos. Eras querido, admirado e respeitado.

Mas esses títulos, elogios e prebendas vieram, como sempre, post-mortem. Quantas vezes, meu irmão, te ouvi dizer que gostarias de ocupar o tempo da reforma com um posto de administrador-não-executivo numa empresa estatal. E porque não? Outros colegas Embaixadores, alguns até também fisicamente diminuídos por doença e pela idade e com um currículo apenas de perto parecido com o teu, foram beneficiados com tais «ocupações», autênticas sinecuras que tu. Luís d"Almeida também merecias e tanto te ajudaria a manter uma saúde já fragilizada e o oficial «status» com que viveste ao longo dos mais de 40 anos em que serviste a Pátria.

A tua saúde estava ultimamente periclitante e, quando foi necessário hospitalizar-te, foste tratado como um doente com SARS-Cov-2 e confinado num "coronavidério" em condições de isolamento e tratamento medicamente criticáveis que te levaram, ao fim de três semanas, a exigir perentoriamente que te tirassem dali. O que se seguiu não me pareceu ter sido conduzido médica e correctamente o mais desejável. Pela aflição e desespero que me foi dado ouvir-te ao telefone, um doente agonizante, alguns minutos antes do fim, deu-me a quase certeza do abandono assistencial a que estavas sujeito.

Pronto, acabou-se! Menos um «antigo combatente» e biblioteca viva do M, a "chatear"; menos um ancião a clamar por aquilo que acha que o Estado lhe devia e deve, nem que seja, pelo menos, uma placa com o nome numa parede do Ministério das Relações Exteriores.

Meu mano! Entre nós, ficou o teu vazio. Quando, ao fim da manhã, entrando pela nossa marquise com um sonoro «Nosso Patriarca», te acachapavas no sofá e quantas vezes passavas «pelas brasas»; se o pitéu em minha casa era peixe frito com arroz de tomate, ficavas para almoçar ou fazer boca, como «entrada»; que a dona Dina e o almoço na tua casa estavam à espera. Agora aí está: apenas restam o vazio, a saudade, a tristeza.

Afinal, nosso "Xaketa Kamakele, «o osso de leão" que a nossa querida mãe te teria dado à nascença? Apenas deu para só chegares aos 87 anos? É verdade que te fiaste demais no tal osso e viveste como gostaste sempre de viver, bem e com gosto; amigo da boa mesa onde não devia faltar um bom calulu, um muzongue, uma quizaka, uma boa garapa (quissângua), os quitutes e, porque não, um bom presunto «pata negra», uma cervejinha bem gelada, um bom vinho.

E deixa que te pergunte: que tal aí no «Céu» celestial em que acreditavas e onde dizias que eu, Mário, teu irmão, não iria certamente parar, mas, antes no inferno, lá onde teria descido o vate italiano Dante Alighieri, nas suas elucubrações poéticas em "A Divina Comédia".

Luís José, meu irmão. Com um saudoso e apertado Kandandu e muitos beijos de todos nós, te recordaremos e «eternizaremos» enquanto durares nas nossas saudades.