Este dia foi instituído por iniciativa de 14 países e oito Movimentos de Libertação Nacional, na Conferência das Mulheres Africanas, em 1962, data em que também foi criada a Organização Pan-Africana das Mulheres, que tinha por objectivo discutir o papel da mulher na reconstrução de África, na educação, na garantia da paz e na democracia.

Lamentavelmente, a situação das mulheres, num mundo pensado e construído sem a sua participação activa, que estabeleceu relações de poder, historicamente desiguais entre mulheres e homens, constitui uma das fracturas que ainda hoje marcam o nosso tempo.

Apesar de se registarem progressos neste domínio, a realidade continua a demonstrar a persistência de situações de desigualdade profunda, tal como poderemos constatar, por exemplo, pelos elevados índices de violência que ocorrem no contexto doméstico. A situação agrava-se quando, na mesma mulher, se acumulam desigualdades múltiplas, diferenciadas no Art. 13. ° do Tratado de Amesterdão (CE, 1997), em seis eixos de discriminação, em função do sexo, origem/ raça/ etnia, deficiência, idade, religião/ crenças e orientação sexual. As situações de discriminação múltipla e intersecional, que podemos observar, por exemplo, no caso das mulheres migrantes, negras e afrodescendentes, ampliam a vulnerabilidade a que elas estão sujeitas.

As populações migrantes e os seus perfis são dinâmicos, pelo que, nos últimos anos, se tem vindo, progressivamente, a assistir a uma mudança no que respeita à sua dimensão de género, verificando-se um aumento crescente do número de mulheres e raparigas que migram. De acordo com a OIM e o seu Relatório de Migração Global 2020, do número total de migrantes internacionais actuais, 47,9% deles são mulheres e pelo menos 13,9% crianças. Em Portugal, à semelhança de muitos países, observa-se esta tendência, tendo-se registado, desde 2012, um maior número de mulheres estrangeiras do que homens no território nacional. Esta alteração do perfil das populações migrantes mostra que as mulheres são, cada vez mais, agentes de desenvolvimento, independentes, profissionais e chefes de família.

Com a crescente feminização das migrações, surge a necessidade de abraçar este desafio e desenvolver políticas de migração sensíveis ao género, levando em consideração as necessidades e os desafios específicos das mulheres e raparigas migrantes e refugiadas, alinhadas às recomendações europeias e internacionais - como a Convenção de Istambul do Conselho da Europa e a Agenda 2030 das Nações Unidas.

A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável integra 17 Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), para serem alcançados com vista à construção de uma sociedade socialmente inclusiva, com sustentabilidade ambiental, economicamente próspera e respeitadora da dignidade da pessoa humana e que resultam de "uma visão comum para a Humanidade", em que a igualdade de género, apesar de transversal a todos os ODS na Agenda 2030, encontra um lugar próprio no objectivo 5, a fim de promover a igualdade e o empoderamento a todas as mulheres e raparigas.

O ODS 5 contempla, designadamente, medidas que visam a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas na esfera pública e privada; o acesso universal aos direitos de saúde sexual e reprodutiva; facilitar as migrações ordenadas, seguras e responsáveis, implementando políticas migratórias planeadas e bem geridas; acabar com o abuso, exploração, tráfico e todo o tipo de violência e tortura contra as crianças; promover a lei e o igual acesso de todos e todas à justiça, com o objectivo de não deixar nenhuma mulher ou rapariga para trás.

No contexto da actual crise sanitária, provocada pelo novo coronavírus, as desigualdades que os ODS visam combater acentuaram e agravaram-se mais do que nunca. Em rigor, a situação de maior vulnerabilidade em que as pessoas migrantes, mulheres, africanas e afrodescendentes se encontram pôs, cruelmente, a nu a premência de medidas específicas de combate às desigualdades, planeadas e implementadas de forma transversal e integrada.

De acordo com um estudo recente da OIM sobre Género e Migrações, publicado em Abril/maio de 2020, "o impacto e implicações do coronavírus COVID-19 são diferentes para os homens e para as mulheres e podem marcar maiores desigualdades para quem se encontra em situação mais vulnerável, como é o caso das migrantes, conforme indica a ONU Mulheres".

O estudo refere ainda ser necessária uma abordagem interseccional e sensível ao género que permita identificar situações de desigualdade e, ao mesmo tempo, oferecer uma maior protecção e atenção aos problemas das populações mais vulneráveis.

Conforme a OIM e o seu Relatório de Migração Global 2020, as mulheres migrantes representam cerca de 74% da indústria de serviços, como é o caso do trabalho doméstico, e que trabalham, muitas vezes, em condições de precaridade laboral. Muitas delas sustentam as suas famílias no país de origem. Durante o surto da COVID-19, as restrições de mobilidade podem ter posto em risco o sustento das mulheres migrantes, em particular as que trabalham em casas de outras pessoas. Aquelas que se encontram em situação irregular ficam mais dependentes de empregadores e com menor acesso à protecção social. Refere ainda que as consequências económicas podem expor as mulheres à exploração sexual, como foi o caso durante o surto de ébola 2013-2016.

É de realçar ainda reacções racistas e xenófobas e o estigma de que as pessoas migrantes são portadoras de COVID-19, só por serem migrantes e tornam-nas alvo de ameaças, discriminação pode ter consequências ao nível dos direitos fundamentais, como a falta de atenção adequada em centros de saúde e outros lugares de assistência (como na gravidez, ou a assistência legal e psicológica em casos de violência de género).

É para a efectiva realização dos direitos humanos das mulheres e salvaguardar a sua dignidade enquanto pessoas, em todas as suas dimensões, que nos colocamos ao lado destas mulheres, migrantes e os seus descendentes, africanas e afrodescendentes, em situação de especial vulnerabilidade, exigindo, propondo e apoiando as medidas e as políticas públicas prementes o aperfeiçoamento das que o Governo tem vindo tomar.

Saudamos todas as mulheres africanas cujo protagonismo marca, indelevelmente, as mudanças que continente africano vem sofrendo, desde a luta de

libertação nacional e no processo de consolidação da democracia por todo o continente africano, ajudando a cumprir os objectivos que subsistiram à constituição da Organização Pan-Africana das Mulheres e à instituição do Dia Internacional da Mulher Africana.

*Deputada à Assembleia da República Portuguesa