O ano que está prestes a terminar foi coroado de notícias e escândalos que mostram, claramente, como a crise moral e ética que se abateu sobre algumas das nossas elites políticas e empresariais facilitou a delapidação do erário, arruinou a nossa economia e afectou a nossa sociedade.

Apesar de sentir que temos todos os meios necessários para optar por um caminho diferente e mais seguro para todos nós, sinto que, em 2020, o País não avançou tanto quanto seria desejável em matéria de transparência, participação cívica nos processos de decisão, bem como em matéria de fiscalização e controlo.

Mesmo que Angola desenvolva com o apoio das agências internacionais um plano de recuperação económica, se esforce para combater a pandemia, a crise que não é apenas decorrente da queda do barril de petróleo no mercado internacional, como se gostava enfatizar entre nós, não será ultrapassada com sabedoria.

Apesar da Covid-19 e de tudo quanto ela implica, tivemos, em 2020, uma pequena janela de oportunidades disponível para não apenas nos recuperarmos, mas também para nos recuperarmos melhor. Ninguém quer voltar a uma sociedade com altos índices de desemprego, baixo nível de rendimento das famílias, insegurança alimentar e destruição sem controlo da natureza. Temos, sim, de pensar que raiz de tudo isto que vivemos em 2020 está na forma como o País foi sendo governado, principalmente desde que se deu o "boom do petróleo".

O ano 2020 foi um ano cujos eventos por mais dolorosos que foram deveriam fazer-nos pensar que estamos perante uma oportunidade de repensarmos o nosso modelo de desenvolvimento, de forma a tornarmos a nossa economia e sociedade mais resilientes a impactos globais como a queda do barril do petróleo, mais justa, equitativa e transparente e a não deixarem ninguém para trás. Tudo isso implica uma governação mais aberta.

Uma governação mais aberta iria, naturalmente, fluir para uma série de diálogos a todos os níveis (local, provincial e nacional) sobre como o País pode responder às crises económicas e da Covid-19 de forma alinhada com os propósitos e às metas do Acordo de Paris e dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Por outro lado, essas conversas que poderiam ter ocorrido sem grandes custos financeiros para o País ou para quem, desde que o Executivo o promovesse, poderiam reunir diversas sensibilidades e instituições já existentes no País ou que trabalham em assuntos ligados a Angola, desde institutos de pesquisa, fundações, organizações internacionais e organizações da sociedade civil de todo o País.

Em 2020, continuamos a não aproveitar de modo conveniente, salvo raras excepções, as oportunidades, para que representantes dos diferentes níveis do Governo e outros actores da sociedade civil trocassem opiniões sobre como integrar outras perspectivas nos programas de recuperação económica gizados pelo Executivo. Daí as resistências, incompreensões e até os fracassos de algumas medidas executadas por quem de direito.

Quem olha com "olhos de ver" o que ocorreu em 2020 sabe que os impactos da crise económica, agravados com o aparecimento da pandemia, levaram a um profundo declínio nos pouquíssimos ganhos em termos de desenvolvimento social e económico registrados com o "boom do petróleo" e que a recessão ainda não os tinha derrubado, afectando de maneira desproporcional as pessoas e comunidades mais vulneráveis e de baixa renda.

As disparidades entre pessoas e regiões mais ricas e mais pobres ficaram mais evidentes e até foram acentuadas - quem lidera o País sabe que estamos a sobrevoar uma tempestade caracterizada por um alto nível de desemprego, ausência de investimentos em quase todos os sectores, perda de capacidade para arrecadar mais recursos e uma dívida crescente, levando muita gente a acreditar que teremos mais uma recessão económica em 2021.

Considerados esses impactos sem precedentes, o timoneiro desta aeronave que se chama Angola precisa de imprimir uma governação mais aberta ao diálogo com outras sensibilidades na busca de uma rota de recuperação que coloque o bem-estar das pessoas no centro.

O foco precisa de estar nos empregos, meios de subsistência, medidas de resiliência e protecção social. Para fazer isso do jeito certo, precisamos de uma abordagem que olhe para essas questões de forma minuciosa, a fim de entender quais trabalhadores, comunidades e geografias foram mais afectados e como investimentos e políticas de recuperação e apoio feitos "sob medida" podem ajudá-los. Há outra forma de fazê-lo que não passa pelo diálogo aberto e inclusivo?...