A qualidade das democracias tem grande reflexo na qualidade dos políticos que produz, tem influência na forma como os cidadãos olham e avaliam aqueles que escolheram para os liderar. Hoje há um maior acompanhamento e escrutínio dos poderes públicos, tudo resultado de cidadãos cada vez mais esclarecidos e preocupados com a afirmação da democracia.
Hoje, os cidadãos acabam por ser afectados por uma sofisticada máquina política de desinformação, propaganda, mentiras e demagogias bem proveitosas à manutenção do chamado projecto e/ou estratégia política. É claro que isso no médio-longo prazo produzirá efeitos perversos à saúde das democracias e à estabilidade necessária à convivência social.
Quanto mais a política for um palco de vaidades, de combate de egos, de intolerância democrática, de afirmação de interesses de grupos, de ausência de estruturas e mecanismos para o debate de ideias e contraditório, enquanto for tudo isso e mais alguma coisa, mais espaço vai criando para que os seus agentes e/ou protagonistas sejam vistos pelos cidadãos e eleitores com desconfiança.
"O ódio e o medo levam as pessoas às urnas", escreveu alguém para explicar que Jair Bolsonaro não precisou das televisões nem dos jornais tradicionais para ser eleito Presidente do Brasil. Bastou aproveitar o ódio contra o PT e potenciar a demagogia entre milhões de brasileiros. Entre nós, cá em Angola, a falta de seriedade política, a falta de transparência governativa, de rigor e zelo na gestão da res publica, a corrupção endémica, o nepotismo, o defraudar expectativas e a manutenção dos esquemas do passado fazem que os cidadãos olhem para a política e para os políticos com desconfiança, com repulsa, indignação e desencanto. As máquinas político-partidárias no país estão obsoletas, burocráticas e manipuladoras, absorvem os cidadãos e limitam-nos no sentido de ficarem com a convicção de que não há mais vida para além das entranhas e amarras da política.
Invertem-se as prioridades e aumentam-se as necessidades. A esperança que devia ser a última a morrer agora passou a ser a primeira a matar. A indignação e a revolta social são reais e virtuais. Morrem diariamente de malária milhares de pessoas; os portadores de VIH esperam três meses por medicamentos de segunda linha; os pacientes que fazem diálise em Luanda, Benguela e Huambo correm o risco de ver o tratamento interrompido por falta de pagamento do Estado às empresas gestoras; o desemprego já anda nos 32%, e o país já "perdeu" 108 mil empregos entre Janeiro e Março deste ano.
A fome, a desnutrição, a penúria, as dificuldades de acesso ao ensino e ao emprego aumentam, aos gestores e empresários começam a faltar ideias e soluções, pensar em lucros está fora de hipótese e o desafio é auto-sustentar os negócios, é garantir salários no fim do mês ou decidir o número de empregados a acrescentar a lista de dispensados. Em teoria, o Executivo pisca à esquerda e na prática curva à direita, dando aos cidadãos uma verdadeira "mbaia" ao jeito dos candongueiros. Enquanto isso, autorizam-se quase 45 milhões de dólares para a nova sede da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e do Centro de Escrutínio Nacional, revelando, afinal, que importante não é quem vota, mas quem controla os votos.
Projectos imobiliários falidos e ao abandono são transformados em centros de tratamento de epidemias e pandemias num negócio cuja compra ficou orçada em quase 25 milhões de dólares e cujas obras ainda vão consumir mais 34 milhões. Duplicam-se ou triplicam-se os valores da fiscalização de obras de infra-estruturas; a gestão do PIIM pelos governadores é um verdadeiro pimpampum; os dinheiros da Covid-19 são outra dor de cabeça, não esquecendo que, no primeiro voo para o transporte de material sanitário, veio logo ao de cima o chico-espertismo dos negociantes em pele de políticos.
Somos um povo com pouca memória. Somos um povo que não exige responsabilidade e a responsabilização dos seus governantes. Somos um povo que ainda não percebeu a força, o peso e a medida de uma arma que tem disponível de cinco em cinco anos e que deposita nas urnas. Em grande parte, somos também culpados destas arbitrariedades, desigualdades, desonestidades, irregularidades, imoralidades. Fomos nós que legitimámos o alcance e a sua manutenção no poder. Fomos nós que os elegemos. Fomos nós que os "parimos". Eles são os Políticos que Parimos.