É isso, e por tudo isso é que nos perpassa, pela mente, a esperança de que os Homens acordem, uma manhã destas, com a cabeça mais limpa.
Mas, não obstante toda a esperança na mudança de mentalidades, na capacidade regenerativa do ser humano quando tocado pelas contrariedades, na vontade dos governos de contribuírem para minimizar os efeitos criados por um inesperado agente não convidado, o que é facto é que o tempo de restringimentos económicos e constrangimentos sociais que vivemos terão, inevitavelmente, reflexos futuros ainda não contabilizados.
Por força da Covid-19, é hoje, e será ainda por mais 10 dias, tempo de estado de emergência e de manutenção desses constrangimentos, e, apesar do abrandamento das medidas temporárias de excepção tendentes à prevenção e controlo da propagação da pandemia, recentemente decretado, o seu impacto vai continuar a agravar o mercado do emprego com a redução da mão-de-obra, nomeadamente da camada jovem, já que é ela a principal fornecedora de trabalhadores que vê, agora, grande parte das empresas a darem preocupantes sinais de alerta para possíveis despedimentos ainda que o Governo angolano aprove várias medidas visando aliviar o impacto económico da Covid-19, com a aplicação de programas tendentes a aliviar, ou mesmo obstar, pressões sobre a tesouraria das empresas nacionais.
Por outro lado, e não menos importante, o impacto que se fará, que já está a fazer-se sentir nas famílias dos que no mercado informal buscam oportunidades para subsistir.
Como afirma o economista Carlos M. Lopes, "A economia informal de rendimento - actividades orientadas para a geração de rendimentos, com finalidades de prover a satisfação das necessidades dos agregados familiares, mas também de permitir a acumulação de riqueza e de capital - abrange as actividades realizadas a uma escala média e grande e contempla os sectores mais rentáveis da economia informal; o comércio retalhista, semigrossista e grossista; o armazenamento, o transporte, a construção e a prestação de alguns tipos de serviços; fazem igualmente parte desta categoria algumas actividades associadas a práticas especulativas ou à exploração de rendas de oportunidade, realizadas num espaço não delimitável de proximidade, interligação e de fronteira com comportamentos económicos ilegais, como, por exemplo, a especulação imobiliária ou o comércio ilegal de divisas (...)", e, salienta, "ainda que os mercados de Luanda constituam, a par da venda ambulante, o espaço onde um grande número de agentes encontra ocupação e obtém os rendimentos que contribuem para a sua subsistência e das respectivas famílias. A sua importância remete não apenas para a dimensão económica e social, mas também para a dimensão sociocultural, uma vez que estamos em presença de instituições concretas com História e com presença marcante no imaginário da sociedade luandense".
Estamos, pois, em presença de um fenómeno social que, por não ser de fácil resolução, com aplicação de medidas a médio prazo, tendentes a minimizar as consequências da situação agora vivida, poderá agravar uma situação que, ao contrário do que se pensava - nos anos finais do século XX, de que as actividades informais não passavam de um fenómeno passageiro, mas que a crescente informatização, a flexibilização de leis permitindo a redução de força de trabalho das empresas -, tem levado ao crescimento nos mais diferenciados ramos de actividade, o que equivale dizer que, cada vez mais, é nas actividades e nas práticas informais que um cada vez maior número de indivíduos do sector primário, secundário e terciário procura e encontra formas de subsistir ou acumular riqueza.
É este panorama que, a par de muitos outros factores, como a descida do preço do petróleo, a fragilidade dos sectores agrícola e industrial, a necessidade de importar a maioria dos bens de consumo e de manufacturação, dependente da existência de divisa estrangeira, cria, não apenas ao Governo de Angola, mas a todos nós, a cada um de nós, a necessidade urgente de procurar soluções, meios, respostas e, acima de tudo, responsabilidade para ultrapassar as contingências criadas por um adversário inesperado que chegou sem aviso nem notícia e que, uma vez mais, vai pôr à prova a capacidade do povo angolano.