O segundo Presidente católico da história dos EUA (John Kennedy foi o primeiro) prestou juramento sobre uma bíblia familiar de 1893. O poder cultural e de integração da América estivera presente nas várias intervenções e actuações. Uma cerimónia marcada pela Covid-19, com fortes medidas de segurança, ausência de público, mas com o simbolismo de bandeiras a homenagear as mais de 400 mil mortes provocadas pela pandemia.

"Há muito para reparar, restaurar e curar. (...). Temos de estar à altura de um novo capitulo ...", disse Joe Biden, cuja eleição para muitos americanos e não só representa a vitória da democracia, da solidariedade e da tolerância. A sua tomada de posse representa estabilidade face aos ataques provenientes da Casa Branca nos últimos dois meses, o clima de tensão entre o Presidente cessante e o Presidente eleito agravados pelo ataque e vandalização do Capitólio, deixando bem evidente que na América dos direitos, liberdades e garantias haveria quem procurasse uma solução não-democrática para resolver a questão das eleições. É também a importância da verdade sobre a mentira. Segundo a base de dados do Washington Post, Trump deixa um "legado" de 30 mil mentiras em quatro anos!

Qual será a nova agenda do Partido Republicano no pós-Trump? Qual será o seu posicionamento nas situações em que a Administração Biden terá que negociar com eles? Há um grande caminho pela frente e um trabalho de casa para fazer já. "Olhar para nós primeiro" como escreve nesta edição do Novo Jornal, a investigadora e professora universitária norte-americana, Marissa Moorman, uma nação a precisar de olhar para si mesma, a precisar de "reparo, restauro e cura", como afirmou Joe Biden. Mas também precisa de olhar para fora, pois há uma grande esperança que os EUA recuperem o seu papel de liderança mundial, que volte a abraçar o multilateralismo.

Na União Europeia, a presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, já disse que a Europa tem de volta "um amigo a casa". Joe Biden é visto como o homem providencial e que vai trabalhar para recompor os laços com o Velho Continente, é aquele que vai "desalinhar" com os ditos" inimigos "da Europa (Rússia no topo da lista), que voltará a olhar para o Atlântico, reforçando e valorizando o papel da NATO. O retorno ao Acordo de Paris, à OMS e a outras organizações onde a presença americana é importante por razões de liderança e alinhamento estratégico. A relação com os seus aliados tradicionais no Pacífico, com destaque para o Japão e a Coreia do Sul. Trump foi muito criticado pela "cordialidade" com que estabeleceu as relações com a Rússia e pelos duros ataques à China.

Uma das grandes expectativas será perceber como a Administração Biden vai gerir a relação com estes dois países. No Médio-Oriente, Israel é um aliado tradicional dos EUA, mas, diferente dos republicanos, que são mais práticos e objectivos, os democratas são conhecidos por ser muito ideólogos e pragmáticos. Não menos importante, mas não tão prioritária nesta fase para os EUA, será perceber qual será a estratégia da Administração Biden para a América do Sul e África.

Aos 78 anos, Joe Biden vai, certamente, cumprir apenas um mandato de quatro anos, sendo os dois primeiros anos bastante decisivos para a implementação de uma série de programas e estratégias internas e externas. Nos EUA, o vice-presidente tem um papel mais simbólico e político, muito pouco executivo, sendo na maior parte das vezes visto como um auxiliar, substituto do Presidente. Joe Biden não foi tão influente enquanto vice-presidente nos dois mandatos de Barack Obama. Dick Cheney (2001-2009) foi um dos vice-presidentes mais poderosos da história dos EUA, tendo sido uma figura bastante influente na Administração de George W. Bush. Al Gore (1993-2001) era visto como um vice-presidente com certo poder e influência na Administração Clinton. Kamala Harris é a primeira mulher a exercer o cargo de vice-presidente dos EUA e há uma grande expectativa em torno daquilo que será o papel e influência. Se a estratégia for fazer dela a candidata dos democratas para as próximas eleições (2024), é evidente que, em determinada altura do mandato de Joe Biden, assistiremos a um aumento do seu poder e influência.

Nos EUA, é muito comum que os vice-presidentes, após experiências acumuladas, se sintam tentados ou desafiados a concorrer ao cargo de Presidente. George H.W. Bush foi vice-presidente de Ronald Reagan e chegou a Presidente, AL Gore foi candidato derrotado na disputa em 2000 com George W. Bush e o próprio Joe Biden, que foi vice- presidente de Barack Obama. O novo Presidente dos EUA tem muitos desafios e grande parte deles internos. Estes primeiros meses serão cruciais para unir uma América dividida, uma América que "tem de ser melhor" e cujo destino depende dos americanos e de Deus. Joe Biden vai precisar de muito empenho, engenho, arte, diplomacia e também da sua fé católica. Vai começar muitos dos seus dias a dizer aquilo que declarou no final do seu juramento como Presidente: "So help me God".

"Com a ajuda de Deus"