Adalberto Costa Júnior defendeu neste fórum, que contou com o antigo primeiro-ministro português e presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, na abertura dos trabalhos, que "a democracia em África atravessa uma fase marcada por tensões profundas entre avanços institucionais e retrocessos autoritários".

"Se, por um lado, há uma crescente consciencialização cidadã e experiências positivas em determinados países, por outro, observa-se a consolidação de regimes autoritários, a manipulação de processos eleitorais e o fechamento do espaço cívico", sublinhou.

Focando a sua atenção em Angola, o presidente da UNITA disse que o país "retrocede a cada novo dia" no que à democracia diz respeito, apontando como problema entre os mais sérios "a banalização do Estado" enquanto a violência institucional se "converte numa linguagem de governo".

"Desde 1975, ano da independência, o partido no poder vê o Estado como propriedade privada. A sua permanência no topo da hierarquia estatal é assegurada por práticas repressivas, alimentadas por uma lógica de manutenção do poder a qualquer custo. E nessa lógica, alianças com potências capitalistas globais são bem-vindas - mesmo que, para isso, se silenciem sistematicamente as denúncias de violações graves dos direitos humanos em território angolano", alertou.

E, na mesma toada, disse que se vive em Angola "num sistema que opera pelo medo, que cria fantasmas de golpes de Estado para justificar o terror, que persegue opositores e cala vozes divergentes, sobretudo da oposição parlamentar e extraparlamentar".

Traçando um retrato rugoso da realidade angolana, Costa Júnior destacou que "a repressão de manifestações pacíficas, o policiamento abusivo nas redes sociais, os sequestros de cidadãos que ousam criticar o governo, tudo isso faz parte de um projecto que tem como objectivo o extermínio da consciência crítica".

"O Estado de direito é esvaziado de conteúdo. A democracia transforma-se em ficção institucional. A Assembleia Nacional, que numa democracia deveria representar o povo, legislar e fiscalizar o Executivo, converte-se numa extensão do poder presidencial", acusou.

Para o líder do maior partido da oposição, "a guerra da informação é outra face dessa opressão", exemplificando com o serviço de inteligência do Estado, que, "longe de se ocupar da segurança nacional, dedica-se à criação de páginas falsas, perfis manipuladores e órgãos de propaganda, todos voltados para a disseminação de notícias falsas".

Dirigindo a atenção para uma dos seus alvos mais usais, Costa Júnior disse que a televisão pública, o jornal estatal, a rádio nacional, "são ferramentas ao serviço de uma narrativa única" o que faz com que não haja espaço para o contraditório".

Sendo o tema deste fórum na sua edição 2025, "O Futuro da Democracia na Época da Inteligência Artificial", o político angolano defendeu que, apesar das mudanças no mundo que daí resultam, "é preciso garantir que essa mudança não seja apenas tecnológica, e sim ética, política e profundamente humana".

"E essa mudança começa com a denúncia, com a mobilização, com a palavra viva que não aceita o silêncio como resposta", disse, acrescentando que "em Angola, tal como em outros países africanos, muitas têm sido as vozes que pregam a urgência de reformas, a ruptura com o sistema do poder em vigor, clamando por responsabilidade na gestão da coisa pública, por transparência e prestação de contas nas decisões tomadas sobre os imensos recursos dos nossos países"

E, depois de um longo discurso, Adalberto Costa Júnior pediu à comunidade para "não ser selectiva na defesa da democracia e silenciosa na agressão dos mesmos valores nos nossos países".

E aos líderes africanos, exigiu que "respeitem a vontade dos seus povos, pois nenhum progresso é duradouro quando construído sobre a repressão".

Isto, porque, "como no caso de Angola e muitos outros, continuam a existir essencialmente instituições autoritárias, que com a aparência de democratas conclamam eleições a que antecipadamente se encarregaram de retirar aspectos universais de transparência; procedem a alterações constitucionais de conveniência; recusam observação eleitoral de instituições credíveis; não publicam cadernos eleitorais; inserem mesas móveis que ninguém mais conhece; eliminam as actas sínteses das Assembleias de voto; eliminam o apuramento local e concentram toda a contagem num espaço nacional controlado pela segurança do estado".

"Estas questões todas citadas, contam da iniciativa de alteração da lei eleitoral que o governo angolano enviou há 2 meses à Assembleia Nacional e que está a ser fortemente constestada por toda a sociedade civil e pelos partidos não artificiais e não criados pelo regime", descreveu durante a sua intervenção neste fórum internacional realizado no Estoril, próximo de Lisboa.