"Pretende-se sim, cumprir um dever de justiça para com as famílias e prestar uma merecida homenagem aos que tombaram naquele conflito político", referiu o também ministro da Justiça e Direitos Humanos durante a cerimónia que serviu para entregar às famílias os restos mortais destas quatro figuras da história angolana que foram mortos durante os trágicos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 que ficaram para a posteridade como uma alegada intentona liderada pelo então ministro da Administração Interna/Interior, Nito Alves.

Para Francisco Queiroz, este é "um momento de grande significado para a reconciliação nacional, para o perdão e para a pacificação dos espíritos" contribuindo para que "actos desta natureza nunca mais se repitam em Angola".

"Não é hora de perguntar de que lado estavam os que morreram. Não é hora de saber em que ideia acreditava cada um dos que morreram. Não é hora de indagar razões porque cada um matou ou foi morto. É hora de abraçar e de perdoar, é hora de nos reconciliarmos. É hora de esquecer as mágoas, de darmos as nãos e juntos, como irmãos, construirmos Angola nossa mãe", considerou o governante.

De acordo com o ministro, a CIVICOP iniciou um longo caminho de aproximação dos irmãos desavindos, num processo de diálogo frontal e sincero que foi sempre acompanhado de perto pela liderança do Presidente da República.

"Este processo criou um clima de confiança e de quebra de tabus que culmina agora com a localização, devolução às famílias dos restos mortais dos cidadãos angolanos tombados no 27 de Maio", frisou.

Informou ainda que "foi necessário observar e cumprir procedimentos meticulosos, cientificamente rigorosos e de acordo com regras universalmente aceites, para a localização de sepulturas e exumação de ossadas, realização de analises genéticas para determinar o DNA e comparação com o mesmo tipo de exame ao material genético fornecido pelas famílias".

Este processo, segundo o ministro da Justiça e Direitos Humanos, cumpriu as regras das ciências forenses e permitiu determinar com a margem de certeza que o exame de DNA permite que os ossos depositados nestas quatro urnas pertencem às quatro pessoas.

O ministro esclareceu ainda que, juntamente com as suas ossadas foram entregues às famílias os relatórios dos exames genéticos, das perícias da antropologia forenses e dos estudos de DNA.

"Os relatórios podem ser auditados e podem ser avaliadas internacionalmente. O Executivo agradece às famílias a colaboração prestada durante o processo de determinação científica do DNA", adiantou apelando à familiares.

"O rigor científico no tocante a exames desta natureza impõe regras e padrões internacionais, com os quais os nossos profissionais e o Estado estão comprometidos", acrescentou Francisco Queiroz naquilo que pode ser uma resposta aos muitos que, nas redes sociais, exprimiram dúvidas sobre a seriedade dos exames forenses que comprovam a identidade dos indivíduos em questão.

Quanto às famílias residentes em Portugal, disse que assim que decidirem dar continuidade ao procedimento, as equipas forenses realizaram o seu trabalho de apuramento e cruzamento dos exames para então se proceder à entrega das ossadas dos seus parentes.

De referir que assadas de Alves Baptista (Nito Alves), Jacob João Caetano (Monstro Imortal, Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk), serão enterradas na próxima segunda-feira, 13 com honras militares por serem oficias superiores das ex-FAPLA.

Famílias reconhecem papel fundamental de JLo

As famílias dos quatro membros do MPLA mortos no 27 de Maio são unanimes em reconhecer a coragem que teve o Presidente da República para pedir desculpas em nome do Governo angolano sobre a tragedia de 27 de Maio.

No momento de lagrimas e tristeza, Alves do Amaral Panzo, sobrinho de Nito Alves, disse aos jornalistas que todos os que tiveram envolvidos na morte do seu tio estão perdoados.

"Somos de paz, o que passou já passou e todos os que estiveram envolvidos na morte do meu tio estão perdoados", referiu, frisando que, com este acto, a família esta calma.

Caetano João, irmão de "Monstro Imortal", disse que estiveram no poder figuras importantes, mas nunca mostraram o interesse de tocar no caso 27 de Maio como o fez João Lourenço.

"É para elogiar o senhor Presidente João Lourenço pela coragem que teve. O assunto 27 de Maio ninguém podia tocar", referiu, salientando que no passado ninguém podia falar no nome de Monstro Imortal.

Yura Mesquita família de Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk), também destacou o papel determinante do Presidente João Lourenço neste processo que em Angola era tabu.

"SIanuk vinha da União Soviética, porque não aguentava o frio e posto cá acabou de perder a vida durante a acção de 27 de Maio", explicoum destacando que o acto tem um atraso de 45 anos mas alegra a família.

Manuel Ramalhete, irmão Ilídio Ramalhete, também perdoa às pessoas que mataram o seu irmão e diz que o Presidente João Lourenço é peça valiosa neste processo.

"Ninguém nos dava importância, mas com a entrada no poder do senhor João Lourenço este processo ficou viabilizado", concluiu.

Processo difícil, reconhece MININT

O ministro do Interior disse que o Executivo angolano através do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e outros órgãos da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), realizou um trabalho aturado de recolha de vários restos mortais para deles extrair os perfis genéticos para determinarem se pertencem às vítimas de 27 de Maio.

Eugénio César Laborinho, na cerimónia que serviu para entregar os restos mortais às famílias de 27 de Maio, informou que, este trabalho foi realizado no período de 27 de Junho de 2021 a 29 de Maio de 2022, tendo sido remetido no laboratório central criminalística do SIC os restos mortais de três indivíduos.

"Durante o período em alusão, foram recolhidas as amostras biológicas de 129 famílias, seis das quais colhidas em Lisboa. Os restos mortais e as amostras biológicas nos respectivos familiares, foram submetidos a diferentes tipos de análises, nomeadamente de extracção, quantificação e ampliação por PCR e genotipagem, resultando na obtenção de perfis genéticos com os quais foram efectuados análises comparativas", referiu.

Referiu que, até à presente data foi possível determinar 10 distintos perfis genéticos completos e três parciais com os quais se estabeleceu a correlação dos restos mortais das quatro vítimas e alguns membros das suas famílias, designadamente esposas filhos, primos sobrinhos irmãos tios e netos.

"Assim, mediante as análises de cromossoma Y foi possível determinar a compatibilidade genética existente entre os restos mortais de Nito Alves Baptista (Nito Alves, Jacob João Caetano (Monstro Imortal, Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk).

O ministro informou por outro lado, que o Executivo angolano efectuou obras de ampliação e apetrechou com equipamentos modernos áreas de biologia genéticas forense do laboratório central criminalística do SIC, que permitiu a obtenção de resultados com celeridade e qualidade que hoje apresentam.

"Aproveitamos a oportunidade para agradecer as famílias das quatro vítimas pela compreensão e colaboração com gesto que contribuíram para conclusão deste processo", concluiu afirmando que apesar dos constrangimentos enfrentados o trabalho vai continuar com engajamento de todos os membros da CIVICOP.

O 27 de Maio

O 27 de Maio foi um dos acontecimentos mais sangrentos nos primeiros anos após a Independência e ocorreu em 1977, após um alegado golpe falhado contra o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, que resultaram em milhares de mortos durante o combate ao chamado "fraccionismo" dentro do MPLA.

Em Abril de 2019, o Presidente, João Lourenço, ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola, entre 11 de Novembro de 1975, ano da independência de Angola, e 04 de Abril de 2002, data que simboliza o fim de décadas de guerra no País.

O Plano de Reconciliação em Memória às Vítima de Conflitos Políticos prevê, entre outras questões, a emissão de certidão de óbito, a entrega dos restos mortais às famílias e a construção de um memorial único para todas as vítimas dos conflitos políticos registados no País.

Em 2021, nas vésperas da data do alegado golpe de Estado, a primeira vez em que foi feita uma homenagem às vítimas do evento e de outros conflitos políticos, João Lourenço pediu desculpas públicas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o 27 de maio de 1977, salientando que era "um sincero arrependimento".

"Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias", disse, então, o Chefe do Estado angolano.