A ICC, que é a mais abrangente e influente organização internacional do sector do comércio, com mais de 45 milhões de membros em 100 países, e que abrange todos os sectores de actividade, anunciou, numa síntese deste relatório que vai ser tornado público na íntegra nos próximos dias, que, no pior cenário, a economia global irá sofrer perdas de 9.000.000.000.000 de dólares (9 milhões de milhões, ou 9 triliões na escala anglo-saxónica), o equivalente à riqueza anual gerada pelo Japão e pela Alemanha juntos.

Este estudo prevê que pelo menos metade dos custos da "catástrofe humanitária" gerada pelo açambarcamento das vacinas pelos países mais ricos vão ser absorvidos pelos EUA, Canadá e Reino Unido.

E essa discrepância do uso das vacinas é precisamente o que está a suceder actualmente, como ficou claro quando, há dias, o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, veio sublinhar que já foram utilizadas 48 milhões de vacinas nos países mais ricos enquanto nos mais pobres isso aconteceu em apenas um país e apenas algumas dezenas de vacinas.

Mas, como estão a avançar alguns media internacionais que tiveram acesso a esta síntese do estudo planetário da ICC, o cenário mais provável é aquele em que os países desenvolvidos vacinam metade das suas populações até ao final do ano corrente, representando isso um impacto igualmente devastador na economia global de entre 1.8 milhões de milhões e 3.8 milhões de milhões, com o universo dos países mais ricos a sofrerem pelo menos metade desse "golpe".

Ou seja, e em síntese, garantir a distribuição das vacinas de forma equitativa, sem deixar nenhum país para trás, é a melhor forma de os países mais influentes e ricos garantirem a sua própria segurança e o menor sofrimento económico fruto dos múltiplos efeitos negativos da pandemia da Covid-19.

O que significa que é um erro pensar-se nos países ricos como estando a investir na caridade quando facilitam o acesso às vacinas nos países menos desenvolvidos, sendo isso ainda mais verdade quando se trata de países com economias robustas mas baseadas no comércio global, porque as economias estão todas de tal forma entrelaçadas que é impossível compartimentar os efeitos de uma vacinação geograficamente separada por razões económicas.

Este estudo surge na sequência de outros relatórios que apontam para um cenário onde a Covid-19 - como o Novo Jornal descreve aqui - se pode transformar numa doença exclusiva de países pobres, a exemplo da malária.

Os dados existentes dizem que das largas centenas de milhões de doses de vacinas já adquiridas por antecipação, mais de 80% estão destinadas aos países ricos e apenas 14% têm como destino os países mais pobres, quase exclusivamente africanos, asiáticos e da América Latina, sendo que África está quase totalmente fora deste mapa de distribuição antecipada das vacinas.

Isto, apesar de já há alguns meses a União Africana ter anunciado a criação de uma plataforma online para agregar as encomendas dos diferentes países de forma a que as aquisições em quantidade permitam ganhos de competitividade no momento em que o mundo inteiro estiver a competir pelas vacinas existentes no mercado.

Por detrás deste cenário catastrófico está o facto de os países mais ricos terem feito pagamentos milionários antecipados às farmacêuticas que estavam a produzir as vacinas antes mesmo de serem uma realidade e muito antes da sua aprovação ou ainda devido ao facto de algumas das vacinas já disponíveis exigirem condições técnicas, relacionadas, entre outras, com destaque para a sua conservação a temperaturas abaixo dos 70 graus negativos.