No terreno, bem no solo do posto policial do Kifangondo, uma jurisdição de Cacuaco que limita a fronteira entre as províncias de Luanda e do Bengo está um contingente policial e militar que tenta, usando mui- tas vezes o recurso à força, impedir que centenas de cidadãos incorram na invasão à cerca sanitária, instituída no quadro do estado de emergência que o país observa, em face da pandemia da Covid-19. Entretanto, apesar do cordão de segurança, segundo apurou a reportagem do Novo Jornal que se instalou durante 24 horas no local, as fintas às autoridades e a existência da famosa «gasosa» estão entre os retratos de quem vive diariamente aquele frenético ambiente.

Várias pessoas aproveitam o calar da noite para atravessar a barreira montada pelas autoridades na ponte sobre o rio Zenza. A passagem às vezes é facilitada por agentes da Polícia Nacional (PN). Um maior rigor vê-se na actuação dos efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA), igualmente destacados no local.

Num momento em que já se fala em uma dezena de casos de transmissão local da Covid-19 em Luanda, o epicentro da pandemia no país, centenas de pessoas, entre as quais homens e mulheres grávidas e algumas com bebés ao colo, estão há duas semanas a arriscar as suas vidas por uma travessia para a província do Bengo, que está a 60 quilómetros da capital. São poucos os que entram na capital do país.

Solange vive no Panguila e vende tomate no mercado do mesmo bairro, jurisdição do Bengo.

A jovem conta à reportagem deste jornal que atravessou a ponte sobre o rio Zenza na madrugada de domingo, 3 de Maio, com auxílio de uns polícias. Elas e as amigas foram ao mercado do 30, em Viana, ao lado de Luanda, comprar caixas de tomate para revender na sua região.

Mas, no regresso, Solange e colegas de negócio não tiveram a mesma sorte de domingo. Com crianças ao colo, as mulheres passaram a noite debaixo da pedonal do Kifangondo.

Às 14 horas de terça-feira, 5, as jovens esperavam que o dia escurecesse para que avançassem para o Bengo.

"Quando fomos interpeladas, explicámos que íamos ao óbito de um familiar. Sabemos que não podemos sair. Mentimos só para conseguir o pão das crianças", confessa Solange.

Maria Mpemba, outra comerciante que também esperava - mais uma vez - o anoitecer para ir para casa, no Bengo, disse que Luanda é o único local onde compram os produtos do campo, por isso apela às autoridades para fazer com que os fornecedores entrem até ao Panguila.

"Queremos que enviem carros com produtos agrícolas para o Panguila para não violarmos a cerca sanitária", sugere Mpemba, que falava ao NJ à meia-noite de quarta-feira, 06, acompanhada de Solange e outras mulheres.

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, esta semana com acesso gratuito em http://leitor.novavaga.co.ao/)