Angola já foi apelidada de «canteiro de obras», em face do programa de reconstrução nacional assumido pelo Governo logo após a conquista da paz. Entre as grandes obras edificadas está a Centralidade do Kilamba, onde, justamente, o senhor mora. Já agora, que análise técnica faz desta infra-estrutura?
Primeiro, temos que realçar que foi um grande projecto, no seu contexto geral, porquanto realizou o sonho da casa própria de muitos jovens. Mas, apesar das coisas boas que existem, nós, enquanto técnicos, pensamos que, nos próximos projectos, é importante que se ouça outras partes envolvidas.
O que é que escapou ao projecto por não se ter ouvido as «outras partes»?
Nem todo o mundo que está aqui no Kilamba se habituou a viver em edifícios. Os nossos modus vivendi angolano aponta para uma casa com quintal, onde dá para colocar uma hortinha, criar uma galinha.
Infelizmente, as casas não foram concebidas de acordo com a estrutura social da grande parte da nossa população.
Há mais reparos além da perspectiva sociocultural?
A própria efectivação concreta dos projectos de outras infra-estruturas externas. Seria bom resolvermos a questão da macrodrenagem, garantir que todas as águas que saírem desta centralidade tenham um local, normalmente uma bacia de retenção, uma bacia de dissipação, ou, então, depois de tratada, vão ao rio ou ao mar.
Há problemas de drenagens na Centralidade do Kilamba?
Temos a situação que, quando chove, e há muito volume de água produzido aqui na centralidade, existe um acúmulo de água na Via Expressa. Aqui há muita água produzida diariamente que podia ser tratada - há aqui uma ETAR (Tratamentos de Águas Residuais) que funciona. Mas, quiçá, podíamos aproveitar esta água para jardinagem. Vê que muitos jardins do Kilamba não têm aquele aspecto visual agradável. Porque é que não reaproveitamos esta água tratada para regar o jardim, e evitar que continuemos a usar água potável para plantas? É um desperdício. Podíamos usar a forma de reciclagem, e levar esta água usada nos jardins às populações dos bairros Catinton, Golfe, onde não há água canalizada.
Quando se começou a habitar na Centralidade do Kilamba, falou-se muito das vias de acesso. É um falso problema ou nem por isso?
As vias de acesso foram previstas. Havia uma dificuldade para quem entra no Quarteirão A. Mas fez-se um esforço grande e o acesso está muito melhor. Quem quiser sair do Kilamba tem, pelo menos, três vias.
O material usado na construção dos edifícios é dos melhores? Há relatos de infiltração de águas.
No Kilamba tem tido alguns problemas relativamente ao material usado no abastecimento de água. Era preciso garantir que todos os materiais, antes de serem aplicados nas obras, fossem aprovados pela fiscalização.
Significa que a fiscalização deva garantir que só entrem nas obras materiais que estejam certificados internacionalmente.
Não houve esta fiscalização? Não respondeu aos relatos de infiltrações.
Contra factos não há argumentos: há muitos casos de infiltração de águas na Centralidade do Kilamba. Pessoas que vivem em edifícios com menos de 10 anos já têm águas a pingar nas salas, problemas de criptoflorescências, humidade, bolor.
Quando isso acontece, a estrutura está a dar-nos uma indicação de que alguma coisa falhou. Pode ter falhado nas ligações, podia ter falhado porque os materiais não tinham a qualidade exigida, motivando as infiltrações.
Deixemos a Centralidade do Kilamba e falemos da Via Expressa, aí bem ao lado. Há engenheiros que apontam para falhas nas passagens de águas. É o que já terá observado?
É preciso sublinhar, antes de mais, a importância desta via, sobretudo para os moradores da Centralidade do Kilamba. Respondendo à tua pergunta, podemos dizer que existem alguns aspectos, a nível de drenagem, que é preciso fazer algumas intervenções.
A Via Expressa está enquadrada dentro da bacia do Cambambe, sendo um dos seus afluentes. As águas todas que saem do Kikuxi atravessam a Via Expressa e, depois, apanham a Ponte Molhada - e deixa-me sublinhar que esta ponte foi muito bem construída. A Via Expressa, em determinados pontos, cortou esta linha de água. É, exactamente, nesses pontos, que já estão bem identificados, que precisamos de fazer esta intervenção, para que as águas continuem o seu percurso normal.
A passagem deste volume de água não foi prevista?
Previu-se. E há várias passagens hidráulicas. Só que, quando se construiu a Via Expressa, muitos bairros ainda não existiam.
Toda aquela zona era mata. O Kikuxi era ainda o polígono agrícola de Luanda, quer dizer que as águas infiltravam no solo. O volume de água que circulava nessa zona era reduzido. Se calhar, era irrelevante, naquela altura, colocar várias passagens hidráulicas. Temos que olhar que o território tem alterações, e estas alterações exigem que nós, os engenheiros, tenhamos de fazer actualizações constantes às infra-estruturas que construímos.
Ninguém pensava que, hoje, as zonas do Kikuxi e do Zango iriam estar conforme estão actualmente, bastante habitadas.
O que é que isso originou? Que o volume de águas da chuvas que escorrem no território seja, de longe, 20 vezes maior do que antes. Isto quer dizer que temos que incrementar mais pontos para colocação das passagens hidráulicas e também redimensionar outras. Temos que admitir que a capital do país, do ponto de vista habitacional e populacional, cresce de uma forma exponencial. Luanda cresce de uma forma que desafia todos os parâmetros de engenharia e de arquitectura de uma cidade normal. A nossa intervenção aqui não pode ser uma intervenção normal, deve ser "anormal", à medida deste crescimento.
Até que ponto este problema de passagem de águas pode ameaçar a circulação na Via Expressa?
Ameaçar por enquanto não digo. Mas o que vai acontecer é que, se não fizermos a intervenção agora, as próprias águas das chuvas vão-nos obrigar a fazê-la. O que pode acontecer, a dado momento, é que vai chover e a água não terá para onde ir. Vai-se acumular na estrada, e aí nós vamos ter de intervir porque os carros não vão passar, ou então parte da estrada vai ser «comida» pelas forças da água.
Já estamos próximos deste estágio?
Temos alguns pontos. Defronte ao Weza Paradise, por exemplo, está uma situação muito preocupante, tendo em que conta que parte do pavimento asfáltico já começa a sofrer infra-escavação. As águas já estão a "comer" na parte de baixo. Se não for feita uma intervenção nos próximos meses, em 2021 podemos começar a ver agravada a situação de infra-escavação na Via Expressa.
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