Índia e Paquistão já foram parte do mesmo imenso território colonial do império Britânico da Índia, tendo ambos obtido a independência em 1947, separando-se o território de maioria muçulmana a norte, actual Paquistão, do resto desse império até então comandado por Londres, mas, entre aquilo que hoje são os dois países, ficou um território reivindicado dos dois lados da fronteira e combustível para todos os ódios.

Caxemira é, desde que os dois territórios se separaram para dar lugar a dois países, uma parcela disputada por Islamabad e Nova Deli, onde desde então subsiste um conflito de baixa densidade, com permanentes ataques aos postos fronteiriços de um e do outro lado, mas que, ao mesmo tempo, foi alimentando a mútua vontade de aumentar o poderia militar, levando inevitavelmente a que tanto o Paquistão como a Índia fossem duas potencias nucleares com arsenais que representam muitas centenas de ogivas nucleares.

E tanto de um lado como do outro da fronteira esse esforço para engrandecer a capacidade nuclear bélica não cessa, como é o caso da Índia que ainda há menos de dois anos apresentou ao mundo o seu primeiro submarino nuclear com capacidade para deslocar dezenas de mísseis balísticos equipados com ogivas nucleares.

E, como sucedeu a semana passada, surgem ataques terroristas, tanto com origem nas forças radicais paquistanesas, como do lado indiano - no caso, foi um ataque de radicais paquistaneses que matou, no pior ataque contra forças indianas desde os anos de 1990, cerca de 40 soldados indianos do lado de Caxemira controlado por Nova Deli -, a questão do perigo nuclear poder ter nesta parte dos Himalaias o rastilho que nunca foi aceso durante a Guerra Fria entre americanos e soviéticos, torna-se real e o mundo dá conta que, afinal, quando se teme um conflito nuclear, está a olhar para o sítio errado do mapa.

Com este ataque, com recurso a um bombista suicida, realizado em território de Caxemira sob controlo indiano, já reivindicado pelos radicais do Jaish-e-Mohammad, uma organização terrorista nacionalista paquistanesa, e por causa da gravidade deste, a tensão subiu a ponto de, de todo o mundo, desde as Nações Unidas, com apelos contundentes à calma pelo seu Secretário-Geral, António Guterres, passando por países como a Arábia Saudita, até às grandes potências, EUA, Rússia e China, foram iniciados esforços diplomáticos para arrefecer os ânimos entre os dois lados da barricada.

Para já, tanto o Governo de Nova Deli, como as autoridades de Islamabad, já vieram a público garantir que não querem uma escalada militar, tendo mesmo o ministro dos Negócios Estrangeiros paquistanês, dado a sua palavra em como o ataque aos militares indianos nada teve a ver com o Governo ou as suas forças de segurança.

Mas de Nova Deli veio uma medida que pode aquecer ainda mais a caldeira de Caxemira, tendo o Governo de Narendra Modi mandado suspender o serviço de autocarro que existia entre os dois lados de Caxemira, o que permitia a reunião de famílias entre os dois lados da fortemente militarizada zona de disputa e de fronteira.

O Paquistão lançou, entretanto, um aviso sério à Índia, aconselhando a que não faça acusações de envolvimento do Governo de Islamabad no ataque da semana passada sem uma investigação séria, enquanto nega tal envolvimento.

Mas a escalada do tom e da agressividade das palavras é evidente, sendo disso mesmo exemplo a reacção de Narendra Modi, que, enquanto primeiro-ministro, tem o poder de acrescentar ou diminuir tensão, tendo a sua opção sido de ameaçar com a garantia de que os responsáveis pelo ataque terrorista "terão a resposta em breve bem como os seus mandantes", numa terminologia que insinua a ideia de que o Governo de Nova Deli admite a possibilidade de existir mão do Governo paquistanês por detrás do atentado.

Mas uma coisa é certa, e isso mesmo tem sido dito por alguns dos mais destacados analistas da crise de décadas centrada em Caxemira: O Governo do Paquistão não tem feito tudo o que poderia fazer para travar as organizações terroristas que ao longo dos tempos têm protagonizado estes ataques contra forças indianas.

Isso mesmo ficou provado nos ataques de 2008, em Mumbai, com mais de 160 mortos, num hotel da cidade, ou ainda ao Parlamento indiano, em 2001, sendo que em ambos os casos, foram estabelecidas ligações entre os atacantes e os serviços secretos de Islamabad.

Agora, perante as eleições que tem pela frente, o chefe do Governo indiano, Narendra Modi, que foi eleito com um discurso fortemente nacionalista, tendo nos sectores mais radicalizados da Índia uma forte componente do seu apoio eleitoral, poderá ver-se obrigado a reagir com ataques cirúrgicos contra posições paquistanesas na fronteira, como já sucedeu no passado recente em situações de muito menor gravidade.

Actualmente, os esforços diplomáticos internacionais estão concentrados em criar condições para que o primeiro-ministro indiano, Modi, tenha uma conversa com o seu homólogo paquistanês, Imran Khan, para garantir que, pelo menos, não tem lugar nenhum ataque de dimensão tal que permita uma perda de controlo da situação.

Arsenal I e arsenal II

Como pano de fundo para este cenário permanente de pré-conflito, recorde-se que os dois países, desde a sua independência, já travaram três guerras de larga escala, a última em 1971, onde a parte indiana mostrou ser claramente superior, mas com tudo a mudar depois disso, porque o Paquistão acelerou mais na área nuclear.

Do lado da Índia, estima-se que o seu arsenal tenha entre 90 e 120 armas nucleares, mas o esforço de adquirir mais e mais moderno equipamento de uso nuclear está em crescendo, como o provo a recente aquisição de plataformas para ogivas nucleares de uso aéreo, marítimo e em terra, ficando este triângulo completo com a entrada em cena do seu primeiro submarino nuclear de construção caseira que pode deslocar e lançar pelo menos 12 mísseis balísticos K-15 Sagarika, com um alcance médio de 750 quilómetros.

Já o Paquistão, com uma inferior capacidade militar convencional, aposta claramente no poderio nuclear como dissuasor de um ataque indiano, contando actualmente, estimam os analistas, entre 130 a 150 armas nucleares, mas com uma capacidade instalada de conseguir pelo menos mais uma centena em poucos anos se for essa a decisão.

Islamabad superioriza-se à Índia nesta questão através dos seus mísseis balísticos de médio alcance, os Ghauri II e os Shaheen II, que voam 1.600 e 2.500 quilómetros, respectivamente, e que podem atingir grandes cidades indianas, com potencial letal muito grande.

Porém, a grande esperança é que o acordo denominado, em inglês "No First Use", ou seja, "não uso primeiro" de armas nucleares, a que a Índia já aderiu, possa obter também o acordo do Paquistão, que, até agora tem recusado assinar porque entende que a sua menor capacidade convencional não lhe permite esse "luxo" de garantir por escrito que nunca será o primeiro a recorrer ao poder nuclear em caso de guerra com a Índia.

E garante que isso já ficou demonstrado como sendo o mais correcto, porque, após o ataque terrorista ao Parlamento indiano, se o Paquistão tivesse assinado esse documento, teria deflagrado uma guerra de grande escala entre os dois países, que facilmente transitaria para o nuclear táctico - armas de pequeno alcance e de menor poder destrutivo - e depois para o estratégico, onde as partes usariam a sua total capacidade destruidora.