É com uma espécie de «reprimenda» que Lopito Feijóo sublinha o seu depoimento ao Novo Jornal sobre a relação entre os escritores angolanos de diferentes gerações: "Até à década de 1990, as coisas eram pacíficas. De lá para cá, foi-se notando e nós fomos denunciando uma certa arrogância e um excesso de atrevimento dos novos fazedores da arte literária".

Aos 57 anos, cerca de 40 dos quais dedicados à literatura, numa trajectória a assinalar várias dezenas de publicações e reconhecimento no País e no exterior, Lopito Feijó recorda que os escritores que começaram a despontar na geração em que o próprio se inclui (década de 1980) se habituaram a admirar os escritores na década anterior, em que se destacam, entre outros nomes, autores como Manuel Rui Monteiro, David Mestre ou Ruy Duarte de Carvalho.

"Nós [os escritores que despontaram na década de 1980] habituamo-nos a respeitar os mais velhos, não só do ponto de vista etário, mas também do ponto de vista da qualidade literária e do prestígio que a figura de um escritor tinha naquela altura", revela Lopito Feijó, queixando-se da alegada "arrogância" que caracteriza alguns dos jovens escritores da actualidade, que se comportam "como se tivessem nascido já com a 4.ª classe concluída", ignorando a necessidade de serem "amantes da leitura, antes mesmo de serem escritores".

Lopito recorda, por exemplo, um caso ocorrido ainda este ano. Tinha-lhe sido feito um convite para realizar uma palestra sobre a internacionalização da literatura angolana. Uma semana antes da data acordada, conta o experiente escritor, os promotores da palestra fazem circular, nas redes sociais, um cartaz em que, no essencial, se explica que Lopito

Feijó participaria de um debate sobre a internacionalização da literatura nacional com mais dois jovens.

"Aqueles dois indivíduos, que se consideram super-escritores, nunca sequer representaram a literatura nacional num evento no estrangeiro. Nem para uma província viajaram na qualidade escritor para uma palestrazita. São aqueles que debateriam comigo sobre internacionalização da literatura angolana?", questiona Lopito Feijó, explicando que se recusou a fazer parte do referido debate.

"Aquilo era atrevimento e arrogância", conclui.

Já o escritor Hélder Simbad, de 33 anos, identifica nos «kotas» "uma fricção em

aceitar jovens com opinião própria".

Embora considere que "o mais importante mesmo é a literatura e não estes debates periféricos", este vencedor da edição de 2017 do Prémio Literário António Jacinto cita o seu próprio exemplo ao referir-se a jovens que ficaram "conotados" por certos escritores mais velhos pelo simples facto de terem emitido "uma opinião literária" acerca de determinadas obras.

"Relacionamo-nos bem com alguns kotas e não tão bem com outros, os quais não reagem bem à crítica e acusam-nos de não sermos humildes", lamenta Hélder Simbad, antes de ressalvar que a literatura é "auto-regulada", pelo que a necessidade de haver um "intercâmbio" entre os novos e velhos escritores "nunca deve dar lugar à submissão".

Em Angola, analisa Simbad, tem ainda persistido a ideia de que os jovens autores devem ser continuadores de algo já existente para poder ter apoio dos mais velhos, o que leva ao "fracasso" de muitas relações.

"O que alguns escritores mais velhos buscam, na verdade, é vassalagem. Não podemos negar o legado que os escritores kotas nos deixam, e esse legado está, sobretudo, nas suas obras, mas cabe a mim decidir se vou seguir ou não aquilo que eles consideram arte", explica o jovem, antes de reforçar que um escritor não se faz apenas da leitura de obras nacionais, mas também de toda uma leitura resultante do que se faz lá fora

«Os kotas nem vão aos lançamentos dos seus contemporâneos»

Aos 40 anos, Dias Neto revela que o alegado conflito entre escritores não se regista apenas entre kotas e jovens.

Outorgado este ano com o Prémio Literário Sagrada Esperança, Dias «atira a bola» para o lado dos escritores mais velhos, pois tem constatado que "os kotas nem vão aos lançamentos dos seus contemporâneos", ao contrário dos escritores jovens, "que se apoiam entre si, esforçando-se em manter presença nas cerimónias de publicação de novas obras".

Dias Neto não deixa, contudo, de elogiar a "boa relação" existente, por exemplo, entre si e os kotas José Luís Mendonça, Carmo Neto ou António Fonseca.

«Isso é um não-problema»

Integrável no grupo a que o escritor e crítico literário Luís Kandjimbo denominou como «Geração das Incertezas», a escritora Amélia da Lomba, de 59 anos, recusa-se a aderir ao desafio do Novo Jornal de atribuir, de 0 a 10, uma nota qualificativa à relação entre os escritores angolanos de faixa etária diferentes.

Ao contrário do jovem escritor Dias Neto, que dá nota 5, da Lomba diz-se "sem condições, até do ponto de vista humano, de poder acompanhar e saber da vida de cada um, com quem se relaciona ou do tipo de amizade e interacção".

Aliás, para Amélia da Lomba, é "um não-problema" estar-se a analisar como se relacionam os escritores angolanos de diferentes gerações, porquanto o que o País precisa é de "olhar para a literatura em si", uma vez que as pessoas afinam os seus relacionamentos pessoais dentro de alguma coisa que os atraia ou afaste.

"Tem de haver afinidade para que as pessoas tenham bons, maus ou nenhuns relacionamentos. Contudo, não se pode esperar que isso seja uma norma intransponível... que as pessoas têm de se dar bem. Isto não funciona assim", alerta, revelando que lida "muito bem" com escritores jovens