Sempre disponíveis para acreditar nas notícias que melhor encaixem nos interesses imediatos dos mercados, os analistas e traders não quiseram sequer verificar se as palavras de Trump correspondem à verdade ou a um desejo seu.
É que, até ao momento, como se pode ler no site da NDTV, um canal privado de notícias indiano, baseado em Nova Deli, o Governo de Narendra Modi não confirmou as palavras de Donald Trump, embora se saiba que ambos têm estado em conversações sobre a compra de crude russo pela Índia.
E as últimas notícias que se conhecem, de Agosto deste ano, resultante de fontes oficiais de Nova Deli, é que Modi tinha decidido manter as aquisições de crude russo a preços bastante inferiores aos praticados pelos mercados regulares.
Todavia, aparentemente em contraste com esta decisão, o primeiro-ministro indiano terá, acreditando em Donald Trump, voltado com a palavra atrás e decidiu deixar de comprar energia russa, sem que o norte-americano tenha explicado porque é que este volte-face aconteceu.
Base-se, porém, que Trump e os seus enviados a Nova Deli, como Scott Bessent, o secretário do Tesouro norte-americano, têm feito uma tremenda pressão sobre Modi para que este abandone o crude barato russo e passe a comprar o petróleo caro dos EUA, que pode chegar, como sucede com a Europa Ocidental.
E a razão é simples: o crude excedente nos EUA resulta da extracção pelo fracking (ou petróleo de xisto), cujo breakeven é muito superior ao do crude russo, extraído pelos métodos tradicionais e com breakeven substancialmente mais baixo.
Isto, se se confirmar o que Trump veio dizer, porque, para já, em Nova Deli, o silêncio de Modi deixa em aberto estar-se perante uma notícia da "morte" do negócio do crude russo na Índia algo precipitada, sendo essa possibilidade ainda mais vincada quando, como revela ainda a NDTV, a oposição indiana está a criticar ruidosamente o primeiro-ministro por ter cedido à pressão de Washington.
Esta declaração de Trump é ainda mais estranha quando a sua estratégia passa por baixar o preço do crude nos mercados, o que é essencial para a sua política de redução da inflação e de vitaminização da economia norte-americana, a atravessar problemas, como o demonstra os números negativos do emprego.
Isto, porque foi ela que ajudou a matéria-prima a sair de um buraco de mais de cinco meses, batendo esta quarta-feira abaixo dos 62 USD por barril de Brent, a referência principal para as exportações angolanas, estando esta quinta-feira, 16, nos 62,25, uma subida ligeira que chegou a ser de 0,3%, perto das 11:00, hora de Luanda.
Todavia, este cenário, que tem em pano de fundo a normalização dos planos de recuperação da produção pela OPEP+ (ver links em baixo), a crescente produção de alguns gigantes do sector, como o Iraque, algum pessimismo que emana das economias chinesa e americana, pode mudar rapidamente e voltar a descambar para o vermelho se Nova Deli desmentir Donald Trump.
E isso pode estar mais próximo do que seria desejado em Washington, que vê nas aquisições indiana e chinesa, que também quer travar, a fonte maior de recursos com que Moscovo alimenta a sua guerra na Ucrânia, porque o Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano, segundo a Reuters, já veio destacar que a política de segurança energética de Nova Deli não foi alterada.
Ou seja, essa política de segurança energética indiana é bem conhecida e passa, como o próprio Modi já disse, aquando da sua deslocação à China, onde esteve com Putin e Xi Jinping, por manter a compra de crude onde esta se revelar mais vantajosa para a Índia e, no caso presente, é Moscovo que vende petróleo mais em conta...
Provavelmente, nas próximas horas, quando estiver confirmada ou for desmentida a informação veiculada pelo Presidente norte-americano, ver-se-á um novo sobressalto nos mercados...
Os analistas, citados pela Reuters, parecem estar convictos de que se trata de "notícias excessivamente positivas" para gerar um efeito, como nota Mukesh Sahdev, CEO da consultora em energia Xanalysts, na Austrália.
"As importações de crude russo pela Índias são três vezes superiores às dos EUA, o que quer dizer que se se confirmar esta informação, Nova Deli teria de disparar as compras no Médio Oriente", o que, este analista parece ter dúvidas de ser possível.
Mais uma razão para Angola não perder os mercados de vista
O actual cenário internacional tende a manter os preços abaixo do valor estimado no OGE 2025, que é de 70 USD, embora sem que seja possível perspectivar o que será o advir breve devido aos por demais conhecidos imponderáveis.
Angola é um dos países mais atentos a estas oscilações devido à sua conhecida dependência das receitas petrolíferas, e a importância que estas têm para lidar com a grave crise económica que atravessa, especialmente nas dimensões inflacionista e cambial, onde o esperado superavit (preço acima dos 70 USD) poderia ser importante para contrariar.
Isto, porque o crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, uma das razões por que abandonou a OPEP em 2023, actualmente abaixo de 1 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.