Numa altura em que o excesso de oferta é o maior problema dos mercados petrolíferos, uma notícia sobre a quebra na produção da maior economia do mundo, que a levará da condição de exportadora para a de importadora, tem, claramente, um efeito tónico nos mercados, como se está a ver, a meio da tarde desta quinta-feira, com o Brent, em Londres, a vender o barril nos 30 USD, mais quase 3% que no fecho anterior, referente aos contractos de Julho, enquanto em Nova Iorque, o WTI, para vendas de Junho, galgava mais de 3%, para os 26,05, nos contratos de Junho.

Alguns analistas notam mesmo que as quedas na produção do petróleo de xisto, ou fracking, nos Estados Unidos é o mais importante dos factores de revigoramento dos mercados da matéria-prima desde que os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia, agregados na OPEP+, voltaram à mesa das negociações, no início de Abril, anunciando cortes históricos na produção, 10 milhões de barris por dia (mbpd), mesmo que essa redução seja muito inferior ao buraco provocado pela crise entre a oferta e a procura.

Os analistas do Standard Chartered estimam mesmo, citados pelo site OilPrice, que o número de engenhos activos no onshore norte-americano não era tão diminuto desde 1860, na primeira década do boom petrolífero, na Pensilvânia, ou a derrocada quase total em Estados como o Oklahoma.

Dados da Rystad Energy, uma das mais importantes empresas de recolha de dados no sector, notam que a produção nos EUA caiu já 1,1 mbpd e em finais de Junho essa queda vai chegar aos 2 mbpd.

No entanto, no seu relatório sobre a produção anual, a Agência Internacional de Energia (AIE), diz que em 2020, em todo o mundo, ocorrerá apenas uma quebra de 500 mil barris por dia em comparação com 2019, depois de feitas as contas globais dos 365 dias, contando mesmo com os efeitos pandémicos, embora esta Agência seja comummente vista como fortemente lisonjeira quando se trata de olhar para os efeitos da crise na produção.

E é disso exemplo documentos semelhantes de outros organismos, como a Wood Mackenzie, de quarta-feira, que aponta para um cenário que só será ultrapassado em vários anos, ou o Commerzbank, que sublinha a importante perda de produção nos EUA, quase em exclusivo no fracking devido ao seu elevadíssimo breakeven em comparação com os preços médios dos últimos meses.

A Covid-19, sempre a Covid-19...

Mas, por detrás do stresse visível no universo do negócio do petróleo está ainda e sempre a pandemia da Covid-19, o que impede que os países produtores, especialmente os mais dependentes, como é o caso de Angola, das exportações de crude, deixem de lado o grosso das preocupações com o futuro.

Isto, porque esses mesmos mercados, suportados em análises de especialistas, não deixaram de estar receosos com a possibilidade de que o ressurgimento de novos casos em países que, aparentemente, tinham a pandemia sob controlo e avançaram para o aligeiramento das medidas de contenção, essencialmente o desconfinamento progressivo, leve a retrocessos nos seus planos de reabertura das suas economias, voltando a reforçar aquilo que foram as razões para a actual crise global.

Naturalmente, como pano de fundo para a crise económica que surgiu no rasto da crise de saúde pública gerada pela Covid-19 desde que o vírus foi descoberto na cidade chinesa de Whuan, em Dezembro de 2019, está a decisão generalizada de encerrar fronteiras, fechar o comércio, suspender a produção industrial, colocar a aviação comercial no chão e os transportes marítimos em seco, com o inevitável decréscimo no consumo de energia, sendo fácil de percebê-lo com o facto de só a aviação e o sector marítimo serem responsáveis por cerca de 20% do crude consumido no mundo.

E isso foi o que provocou a histórica diminuição de mais de 30 milhões de barris por dia (mbpd) na procura, ficando exposto um excesso de oferta mundial que empurrou o valor da matéria-prima para cifras historicamente baixas, sendo os 40 dólares negativos no WTI em Abril uma marca simbólica destes tempos.

Confinar, desconfinar, confinar...

Agora é de novo esse receio que surge, substantivado pelas declarações feitas no Congresso por Anthony Fauci, o conselheiro do Presidente norte-americano, Donald Trump, para a Covid-19, alertando para a possibilidade de uma reabertura extemporânea da economia nos EUA poder gerar uma grave segunda vaga pandémica na maior economia do mundo, onde a doença já matou mais de 80 mil pessoas e cerca de 1,3 milhões, num total mundial de 4,3 milhões, foram infectados

Mas este receio mostrado pelos mercados não surge do nada, é fruto de factos ocorridos na China e na Coreia do Norte, os dois países inicialmente mais afectados, e onde a Covid-19 primeiro mostrou estar a ser derrotada, mas que agora estão a observar o regresso de novos casos, levando mesmo a China a fazer em Harbin, uma cidade no norte do país, com 10 milhões de habitantes, o mesmo que fez em Janeiro em Wuhan... ninguém entra e ninguém sai.

Mas a Alemanha, a maior economia europeia, está a passar pelo mesmo, com o aligeiramento do "lockdown" a resultar num refluxo pandémico que pode levar o receio aos restantes países do velho continente.

Receio esse que está mesmo a afundar os ganhos conseguidos no final da passada semana, quando a Arábia Saudita, o maior produtor e exportador mundial, anunciou que vai, já a partir de 01 de Junho, cortar por sua livre iniciativa, e à margem dos acordos no seio da OPEP+, um 1 mbpd suplementar.

A esse anúncio seguiram-se outros do Kuwait e dos Emirados Árabes Unidos, e ainda do Kazaquistão, somando mais cerca de dois milhões de barris "queimados" na origem, elevando assim dos 10 mbpd acordados no início de Abril entre os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia, junto na organização ad hoc OPEP+, para 12 mbpd.

Ao que se soma ainda a quebra gerada pela crise no sector alternativo dos EUA, o fracking, ou petróleo de xisto, fustigado pelos preços baixos nos mercados em comparação com o seu breakeven elevado, sendo que esta perda está a levar os Estados Unidos a deixarem de ser os maiores produtores globais, chegando mesmo a exportar crude, e a regressarem à sua condição de importadores, o que, tratando-se da maior economia planetária, tem um efeito benéfico nos mercados sob a perspectiva dos países exportadores, como é o caso de Angola.

Todavia, este processo é lento e, por ora, os EUA ainda estão a informar os mercados de que as suas reservas continuam a aumentar, embora com menos vigor que no auge da crise, em Março e Abril, o que afasta, para já, o risco de que os stocks estratégicos nos EUA cheguem ao limite da sua capacidade, como se chegou a temer nas últimas semanas.

Mas o que é dado como adquirido pela generalidade dos analistas é que este sobe e desce nos mercados do petróleo só voltará ao normal com a descoberta de uma fórmula que permita amansar a pandemia de forma sólida e segura, seja através de uma vacina, seja pelo surgimento de um tratamento eficaz com antivíricos ou outros medicamentos.