"Apesar de ser sensata, esta decisão mostra uma visão de curto prazo e pode limitar o potencial de investimentos a longo prazo do Fundo Soberano de Angola", escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista britânica The Economist.

Num comentário sobre a utilização de 2 mil milhões de dólares para financiar o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios, enviado aos clientes e a que a Lusa teve acesso, a EIU diz que a iniciativa foi justificada pela necessidade de investimento nas autarquias e pela vontade de não deixar a dívida pública subir face ao valor do PIB, que no final do ano passado tinha um rácio de cerca de 85%, bem acima do considerado aconselhável em termos de sustentabilidade das contas públicas.

O conjunto de alterações feita pelo Presidente da República, João Lourenço, desde a saída de Filomeno dos Santos, filho do antigo chefe de Estado angolano, até à criação de novas directrizes e uma nova política de investimento, são um "passo positivo" para restaurar a credibilidade de um dos maiores fundos soberanos de desenvolvimento africanos, diz a EIU.

"O Fundo está a tentar reconstruir a credibilidade depois de o antigo presidente ter sido preso e acusado de corrupção e o principal gestor dos activos ter sido alvo de investigações, entretanto arquivadas, em várias jurisdições, por alegadas irregularidades na gestão das verbas", acrescentam.

Lamentando que "há mais de um ano" que o Fundo não apresenta contas, a EIU escreve que as novas directrizes, nomeadamente a obrigatoriedade de os fundos de gestão serem obrigados a ter um portefólio de mais de 3 mil milhões de dólares e actividade aberta há 10 anos, são positivas, e aponta que "a inclusão de uma função de estabilização é significativa, e coloca o fundo em linha com outros congéneres em países produtores de petróleo, como o Gana e a Nigéria".

Esta possibilidade de o Estado alocar 20 a 50% do total dos activos "vai ser bem acolhida pelo FMI, que há muito defendia o Fundo como elemento de estabilização económica para compensar a volatilidade dos preços do petróleo, a maior fonte de exportações e de receitas do país".

O Fundo Soberano de Angola foi gerido até 2018 por José Filomeno "Zenu" dos Santos, o ex-presidente do conselho de administração (PCA), nomeado pelo seu pai, antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Em Setembro de 2018, José Filomeno dos Santos foi detido em prisão preventiva pela transferência para Londres de 500 milhões de dólares (quase 450 milhões de euros) do Banco Nacional de Angola, além da suposta má gestão dos activos do fundo.

Em Março deste ano, o ex-PCA do Fundo Soberano de Angola foi posto em liberdade, findo o prazo legal da prisão preventiva, tendo agora como medida de coacção pessoal, a interdição de saída do país.

Na mesma altura em que foi detido o ex-PCA do fundo, também viu a mesma medida aplicada pelas autoridades angolanas, o seu sócio e empresário, suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, presidente das empresas do grupo Quantum Global, que fazia a gestão do fundo.

Entretanto, Jean-Claude Bastos de Morais foi colocado em liberdade, em Março deste ano, após a recuperação pelo Estado angolano de 3,3 mil milhões de dólares (2,95 mil milhões de euros) e outros mil milhões de dólares (896 milhões de euros) em património imobiliário.

E recessão até 2020

E a EIU prevê que a economia de Angola se mantenha em recessão até 2020, prolongando os crescimentos negativos dos últimos anos devido à descida de preço do petróleo desde o verão de 2014.

"As perspectivas económicas de Angola continuam fracas, com a recessão de três anos a continuar até 2020", lê-se numa análise à economia e política de Angola, em que se refere que a produção de petróleo caiu quase 10% no ano passado e que a atração de investimento externo continua difícil.

De acordo com o relatório, que não detalha a previsão de crescimento económico negativo para este e o próximo ano, "apesar da introdução de numerosos incentivos fiscais, tem sido difícil atrair investimento internacional para os seus recursos petrolíferos nas águas ultraprofundas, onde o preço de 'break-even' é mais elevado".

O documento, enviado aos clientes e a que a Lusa teve acesso, prevê uma inflação de 17,8% para este ano "devido ao enfraquecimento do kwanza e às descidas das taxas de juro" e afirma que "as medidas para combater a inflação vão ser prejudicadas pela dinâmica cambial, combinada com o corte de Julho aos subsídios da electricidade".

Os últimos dados disponíveis sobre o andamento da economia angolana registam uma recessão de 1,2% no ano passado, segundo a revisão feita pelo Instituto Nacional de Estatística no final de julho, que melhorou a previsão de crescimento negativo, de 1,7%, para 1,2% do PIB.

De acordo com o documento sobre as Contas Nacionais Trimestrais relativas aos primeiros três meses deste ano, a economia angolana teve crescimentos negativos de 2,5% de Janeiro a Março de 2018, de 3,8% no segundo trimestre, de 1,3% no terceiro trimestre e entrou em território positivo nos últimos três meses do ano, quando registou uma expansão económica de 2,6%.

Nos primeiros três meses deste ano, a economia angolana voltou a 'entrar no vermelho', registando uma contracção da actividade económica que o INE estima ter sido de 0,4%, o que terá levado o executivo a rever, logo em Abril, a perspectiva de crescimento, de 3,2%, para 0,4% no conjunto de 2019.

Em Abril deste ano, o Governo angolano reviu em baixa a estimativa de crescimento, de 3,2% este ano esperados no final do ano passado, quando assinou o programa de financiamento com o Fundo Monetário Internacional, para 0,4%.

A nível político, a EIU prevê que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido de João Lourenço, no poder, vença as eleições do próximo ano, "mantendo o seu domínio nas urnas devido ao forte controlo do aparelho de Estado e tendo a vantagem de estar no poder a nível nacional".

O Presidente, prevê a unidade de análise económica da revista britânica The Economist, "vai tentar manter aquilo que considera ser a sua posição de líder regional, consolidando as ligações económicas e de comércio, continuando a assinar acordos com os seus vizinhos, mas o sentimento proteccionista e os gargalos logísticos vão continuar, dificultando o crescimento potencial a médio termo".

As decisões políticas vão continuar a ser determinadas pelos esforços para aumentar o sector privado na economia, diversificando a economia e aumentando os fluxos de investimento, mas estes esforços vão ser constrangidos pelo ambiente operacional, que ainda é desafiante", dizem os analistas, concluindo que mesmo o programa de privatizações recentemente anunciado vai enfrentar dificuldades não só pelas "dificuldades logísticas", como pela relativa incipiência do sector financeiro angolano.