Com este episódio contado ao jornal italiano Corriere della Sera, Dmitry Kuleba lança uma farpa afiada sobre a democracia no seu país, que, apesar de viver desde Fevereiro de 2022 sob Lei Marcial, devido ao conflito com os russos, o Governo do Presidente Volodymyr Zelensky nega que estejam a ser violados os direitos básicos dos cidadãos.

Devido a essa mesma Lei Marcial, a mesma que permite ao Presidente Volodymyr Zelensky manter-se no poder, adiando as eleições que já deveriam ter sido organizadas em Maio de 2024, os cidadãos até aos 60 anos estão proibidos de deixar o país, mas essa norma não era aplicável aos diplomatas e antigos diplomatas.

Só que, Zelensky, embora ainda esteja por perceber a razão de fundo para a publicação deste decreto, decidiu abranger os antigos diplomatas à lista dos impedidos de sair do país desde que tenham menos de 60 anos, alegadamente, segundo alguns media que estão a noticiar este caso, para que "essas pessoas não falem no exterior de temas que não estão alinhados com a posição do Governo".'

Foi apenas algumas horas antes da entrada em vigor do decreto Presidencial em causa que Dmitry Kuleba saiu do seu país num carro, à noite, "como um ladrão", para a Polónia, onde, de resto, já estão mais de 3 milhões de ucranianos que fugiram à guerra.

Crê-se que naquele país vizinho da Ucrânia estejam mais de 200 mil homens em idade militar que recusam combater e para onde seguem grande, além da Hungria e Roménia, parte daqueles que actualmente conseguem fugir às unidades especiais de recrutamento forçado como o demonstram centenas de vídeos nas redes sociais.

"Nunca pensei que me iria encontrar numa situação em que teria de fugir do meu próprio país como um ladrão à noite", afirmou Kuleba numa declaração que, apesar do controlo eficaz de danos, como o demonstra o facto de a notícia não ter ainda chegado aos grandes media ocidentais, ameaça colocar em xeque o regime de Zelensky.

O antigo chefe da diplomacia de Kiev, um dos homens mais em voga nos primeiros dois anos e meio de guerra, que deu a cara por Kelensky em centenas de reuniões com os aliados europeus e norte-americanos, está agora na condição de ter de dar a cara por um acto que, segundo o próprio, pode abranger dezenas de antigos diplomatas ucranianos que passam a não poder deixar o país.

O jornal italiano nota que Kuleba tem uma agenda internacional repleta, onde participa em conferências em todo o mundo, nas quais sempre defende Kiev face à invasão russa, ao que acrescenta a cátedra de Ciência Política em universidades de França e nos Estados Unidos, que deixaria de poder manter se não tivesse fugido a tempo da "mentalidade soviética" que diz existir no regime ucraniano.

Nestas declarações ao jornal italiano, Dmitry Kuleba admite que em "alguns círculos do Palácio Presidencial" há quem pense que "sempre que alguém sai para o exterior é para organizar maquinações contra o Estado" embora não nomeia directamente Zelensky.

Em Kiev, nas normais operações de controlo de danos, os media começaram a divulgar notícias onde se defende que as declarações de Kuleba foram tiradas do contexto e que este não deixou o país para sempre mas que o fez para cumprir uma agenda internacional, incluindo uma importante conferência na Coreia do Sul, estando de regresso à Ucrânia dentro de dias.

Todavia, nalguns circuitos começa a crescer a ideia de que Dmitry Kuleba é uma das figuras de proa do regime ucraniano ligados à já evidente preparação do antigo CEMGFA ucraniano, actualmente embaixador no Reino Unido, general Valery Zaluzhny, para correr contra Zelensky nas eleições Presidenciais quando estas forem marcadas.

E é neste contexto em que se começa a notar uma evidente mudança de "chip" no discurso em Kiev, como ficou claro quando Volodymyr Zelensky referiu, neste fim-de-semana, que no seu novo ponto de vista, "a Rússia não ganhará a guerra se não ocupar a Ucrânia integralmente".

O que quer dizer que a ideia inicial de que a Ucrânia fazia questão de empurrar as forças russas "até ao último soldado" para lá das fronteiras de 1991, ano da independência da então URSS, como objectivo, passa a ser garantir que os russos não conquistam a totalidade da Ucrânia.

Esta mudança clara de discurso pode abrir a porta para uma saída airosa de Zelensky para este conflito, visto que o novo objectivo, de impedir os russos de tomarem o país por inteiro, é um objectivo exequível, ao contrário do anterior, que passava por recuperar todos os territórios até aqui conquistados militarmente por Moscovo.

Entretanto, é neste novo contexto, incluindo a controversa fuga de Kuleba para a Polónia, que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, depois de ter renovado as ameaças de punir Moscovo com mais sanções e tarifas, informou os media que vai falar de novo com o Presidente russo, Vladimir Putin.

"Muito em breve", respondeu Trump questionado pelos jornalistas sobre quando é que terá lugar essa conversa, que se segue ao encontro de 08 de Agosto, quando esteve pessoalmente com o chefe do Kremlin no Alasca, no qual o norte-americano garante que vão ser dados passos importantes para terminar a guerra na Ucrânia e reforçar a normalização em curso das relações Washington-Moscovo.

Entretanto, na frente de guerra é cada vez mais evidente que as posições ucranianas estão sob crescente pressão, com algumas cidades estratégicas, como Pokrovsk, na região de Donetsk, que, depois de tomada, oferecerá um território quase sem posições de defesa até ao Rio Dnipro, permitindo chegar às cidades que falta ocupar nesta geografia que são Kupiansk e Kramatorsk.

O próprio CEMGFA ucraniano, general Sirsky, veio nas últimas horas, o que coincide com a declaração de Zelensky em que este mudou o objectivo da guerra, admitir que a Ucrânia não tem capacidade para aguentar as posições devido à superioridade russa tanto no volume de forças como em equipamento.

Nos últimos dias (ver links em baixo) a Rússia tem enviado vagas sucessivas de misseis e drones sobre o território ucraniano, tendo este fim-de-semana batido um novo recorde com mais de 700 drones e cerca de 100 mísseis, naquilo que o especialista militar major-general Agostinho Costa considera que é uma demonstração de Moscovo sobre o que espera os ucranianos no Inverno, com a destruição da sua infra-estrutura energética.