O derrube de mais um caça F-18 norte-americano do porta-aviões USS Harry S. Truman, que está posicionado no Mar Vermelho com a missão de proteger os acessos ao Canal do Suez a partir do Oceano Índico, por onde passa em média um terço do comércio e do petróleo que chega ao ocidente, foi o último episódio a enfurecer Washington e Londres.

Além do USS Harry S. Truman, que está a navegar no Mar Vermelho há semanas, os Estados Unidos da América têm ainda na região, mais especificamente no Mar Arábico, que liga ao Índico, o porta-aviões USS Carl Vinson, que está igualmente a ser usado para lançar vagas de ataques aéreos sobre o Iémen, sendo que estes gigantes do mar têm a protecção de dezenas doutros navios de guerra, incluindo submarinos.

O regresso do Reino Unido à região - a última vez foi em 2023 - para ajudar militarmente os norte-americano, noticiado esta quarta-feira, 30, pelos media internacionais, foi fortemente impulsionado pela resistência que está a ser demonstrada pelos rebeldes Houthis apesar dos mais de 800 ataques aéreos realizados pelos EUA, segundo o jornal londrino The Guardian, desde 15 de Março.

E a questão que está presente em todas as linhas de noticiário internacional sobre a insegurança do tráfego marítimo no Mar Vermelho, especialmente no Estreito de Bab al-Mandab, que liga ao Índico, totalmente sob controlo do fogo Houthi, é saber como é que estes guerreiros do deserto conseguem resistir há anos a ataques aéreos que já contaram com coligações envolvendo vastas coligações ocidentais lideradas pelos EUA.

Este grupo, também conhecido por Ansar Allah, que pode ser traduzido por "Partido de Deus", foi criado na década de 1990 para tomar o poder no Iémen, tendo conduzido uma guerra durante vários anos, justificada com o combate à corrupção do Governo do Presidente Ali Abdullah Saleh, contando com o apoio do Irão, enquanto o Governo de Sanaa era apoiado pela Arábia Saudita e pelos países ocidentais.

Além de terem derrotado as forças leais a Saleh e sauditas, os Houthis, que devem o nome ao seu fundador Hussein al Houthi, resistindo aos ataques norte-americanos e britânicos ao longo dos anos, ainda conseguiram afirmar-se como uma das forças mais sólidas no combate a Israel por solidariedade com o povo palestiniano, tendo mesmo conseguido fazer chegar misseis e drones a Telavive, que está a uma distância de quase 2 mil quilómetros.

Mas é no Mar Vermelho que esta força do deserto mais dores de cabeça gera em Washington, Londres e Telavive, porque toda a navegação que passa para o Canal do Suez, que liga ao Mar Mediterrâneo e, daí, ao Oceano Atlântico, ou que procura chegar ao Mar Arábico (Oceano Índico), está ao alcance das suas armas, cada vez mais sofisticadas, desde misseis aos drones.

Os alvos, segundo a liderança Houthi são apenas os navios e petroleiros que estão ao serviço de Israel, mas a verdade é que estas restrições obrigam centenas de petroleiros e porta-contentores, devido a questões de insegurança e imprevisibilidade, a fazer a rota do cabo sul do continente africano para chegar à Europa e às Américas, ou a Israel, via Mediterrâneo, fazendo subir os preços vorazmente, incluindo do petróleo.

E é este cenário que norte-americanos e britânicos pretendem alterar, com Washington a colocar em permanência na região um dos seus 11 porta-aviões nucleares, e Londres a enviar periodicamente navios de guerra para a regiões ao mesmo tempo que usam as bases dos EUA nesta geografia, nomeadamente na Arábia Saudita, para daí lançar os seus caças Typhoon contra alvos houthis no Iémen.

Não é a primeira vez que os países ocidentais procuram destruir a capacidade militar dos "rebeldes" que governam o Iémen, apostando mesmo grande parte do seu prestígio, como é o caso dos Estados Unidos, que o fazem há vários anos sem sucesso e com os Houthis a mostrarem não apenas resiliência como a surgirem mais fortes ano após ano, como o demonstrou o último episódio envolvendo meios aéreos e navais norte-americanos.

Foi o caso do caça F-18, de 60 milhões USD, que foi abatido por um drone ou um míssil houthi, numa situação ainda por esclarecer, mas que, segundo The New York Times, é oficialmente explicado por Washington como uma queda ao mar quando o porta-aviões USS Harry Truman procedia a uma manobra evasiva apertada para escapar a um ataque dos "rebeldes" a partir da costa arábica.

Além deste caça F-18 destruído esta semana, os Houthis já atingiram outro destes aparelhos, abateram vários drones norte-americanos MQ-9 Reaper, dos mais sofisticados, e atingiram vários navios de guerra ocidentais, além de dezenas de navios comerciais, incluindo petroleiros, sem contar com os danos económicos causados pelas centenas largas de embarcações obrigadas a seguir a rota do Cabo para evitar problemas no Mar Vermelho.

A resposta de norte-americanos, agora com apoio britânico, foi imediata e, segundo The Guardian, foram atingidos pela aviação destes dois países dezenas de alvos deste grupo que, apesar de Teerão negar estar a apoiar com armas, é claro que sem o apoio iraniano não teriam as capacidades já sobejamente demonstradas.

Não é a primeira vez que Londres se junta aos aliados americanos na caça aos Houthis, mas há longos meses que tal não sucedia, estando agora a ser explicado o regresso ao Mar Vermelho pelo ministro da Defesa britânico, John Healey, com a necessidade de "garantir a liberdade de navegação".

Isto, depois de novos dados apontarem para um decréscimo de mais de 50 por cento do volume de comércio global que usava o Canal do Suez para chegar tanto ao Atlântico oriundo do Índico como em sentido contrário, custando milhares de milhões de dólares às economias e empresas envolvidas.

A nova vaga de ataques a alvos dentro do Iémen foi confirmada pelo Governo Houthi que controla Sanna há uma década, o que é uma das maiores derrotas ocidentais e dos seus aliados na região, incluindo sauditas, atingindo dezenas de locais, especialmente na região da capital e na zona portuária da costa iemenita.

Segundo o Governo britânico, os ataques dos seus Typhoon visaram especialmente as áreas com infra-estruturas de fabrico e montagem de drones que os "rebeldes" usam para atacar navios no Mar Vermelho, mas as autoridades de Sanna referem já, como é usual nestes casos, a morte de um número ainda por apurar de civis durante os ataques efectuados nas últimas horas.

Entre as vítimas, segundo os Houthis, estão 68 migrantes africanos que estavam detidos num local, tendo ainda ficado feridos 47, naquilo que é claramente um ataque criminoso norte-americano, que Washington assume estar já a investigar, como relatam os media internacionais, e a 18 de Abril, acrescenta The Guardian, um ataque com a mesma origem numa zona portuária do Iémen matou 74 pessoas, deixando gravemente feridas mais de 170, no mais mortífero ataque dos EUA neste que é um dos países mais pobres do mundo.