As multinacionais petrolíferas sabem que, mais cedo ou mais tarde, a transição energética acabará por se impor e o crude, o carvão e o gás natural, que lhes dão, ainda, milhares de milhões de dólares em lucros anuais, estão condenados... isto, se não conseguirem convencer os governos e os ambientalistas de que o gás, afinal, é um combustível amigo do ambiente, o que estão a fazer investindo milhões em acções de lobby colocando mais de 700 lobistas com esse objectivo na COP27 do Egipto.

Esta 27ª Cimeira Mundial do Clima das Nações Unidas, que, tal como as outras, se mostra mais ruidosa em declarações políticas para entreter o povo que eficaz na definição de acções concretas, está a servir, pelo menos, para deixar claro que, da parte dos senhores do negócio mundial dos combustíveis fósseis, existe uma preocupação séria com os seus lucros no futuro, mesmo que nesse futuro não exista futuro para a Humanidade, e apostam agora em transformar o gás natural num combustível fóssil "amigo" do ambiente.

Para isso enviaram centenas de lobistas, algumas ONG"s de defesa do ambiente dizem que são mais de 700, para Sharm El-Shiekh, com esse objectivo declarado, contando, para o seu sucesso, com o facto de a União Europeia, por iniciativa da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já ter votado favoravelmente uma proposta para definir o gás natural e o nuclear como "energias verdes", quando se sabe que o gás natural é uma poderosa fonte emissora de gases com efeito de estufa, um dos quais o metano, que é um dos que mais agride a atmosfera.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, bem avisou na abertura desta conferência no Egipto, que "estamos numa auto-estrada para o inferno e mantemos o pé no acelerador" querendo com esta metáfora enfatizar que as alterações climáticas, que a ciência já não tem dúvidas de que são em grande medida fruto da acção humana, nos estão a queimar cada vez mais depressa, mas o mundo optou por ignorar todos os avisos que o Planeta Terra no dá diariamente há já largos anos, seja na forma de letais secas prolongadas, seja sob a capa de mortíferos furacões de fúria nunca vista, seja através de cheias repentinas que a todos surpreendem e a muitos tiram a vida...

Para que, mais uma vez, não se repita o que aparentemente tem sido o que se passa após cada COP, nos 30 anos que já se leva destas Cimeiras, e quando os políticos se mostram cada vez menos capazes de gerar soluções legislativas ou via aprovação de pacotes financeiros que permitam aligeirar esta corrida para o inferno, são os grupos de media internacionais que decidem passar ao ataque aos grandes responsáveis pelo actual estado das coisas, as multinacionais dos combustíveis fósseis.

Com efeito, vários grupos de media internacionais deixaram de lado o seu papel de mediadores entre os decisores e o público para serem protagonistas, assinando um editorial comum, que foi publicado hoje, onde se exige que seja criada uma taxa a aplicar aos gigantes do negócio dos combustíveis fósseis para financiar iniciativas que permitam aliviar o impacto das alterações climáticas nos países mais pobres, que são quem mais sofre, sem margem para dúvida, e que, de longe, são os que menos contribuem para a transformação em curso do planeta numa estufa mortífera.

Isto, não só mas também, porque é cada vez mais evidente que os ricos do Norte e os pobres do Hemisfério Sul têm responsabilidades diferentes no braseiro que está a queimar as possibilidades de vida na Terra... Basta olhar para o exemplo do Reino Unido: se todos os países do mundo consumissem o mesmo que os britânicos, não chegavam dois planetas iguais à Terra para suportar o seu estilo de vida.

E é por isso que dezenas de grupos de comunicação social publicaram um artigo em forma de editorial onde se exige a aplicação de taxas às petrolíferas e outras grandes companhias que giram em torno do negócio dos combustíveis fósseis, sendo os fundos recolhidos através dessa taxa, direccionados para os povos mais pobres e vulneráveis ao impacto da catástrofe climática que se está a erguer à frente dos nossos olhos.

Neste artigo, cuja elaboração foi coordenada pelo britânico The Guardian, defende-se ainda a urgência de criar condições para que "a Humanidade se liberte da dependência dos combustíveis fósseis", acrescentando que "os países ricos contam com apenas uma em cada oito pessoas no mundo mas são responsáveis por mais de metade da emissão dos gases com efeito de estufa", o que lhes cola à pela "uma evidente responsabilidade moral" para proteger aqueles que, sem culpa no que se passa, mais sofrem as consequências do estilo de vida dos ricos que não abdicam de nenhuma parte dos seus luxos quotidianos.

Para se ter em conta a justiça desta medida, que, na verdade, foi inicialmente proposta por António Guterres, só nos primeiros três de 2022, muito por acção e consequências das sanções aplicadas pelo ocidente à Rússia após a invasão da Ucrânia, em finais de Fevereiro, as maiores multinacionais dos combustíveis fósseis tiveram mais de 100 mil milhões USD de lucros, um recorde histórico e escandaloso.

Neste editorial exige-se ainda uma determinada acção concreta e cooperação entre todos os países do mundo, mas com evidentes responsabilidades dos mais ricos no financiamento dos projectos que vierem a ser aprovados, sendo os países do G20, os 20 mais desenvolvidos do mundo, os mais apontados, até porque é da sua responsabilidade 80% da poluição que sufoca o planeta.

Alias, como destacava na semana passada um documentário transmitido pela Al Jazeera, desde a década de 1970 que algumas petrolíferas dispõem de estudos, alguns mantidos secretos, que demonstram que a questão das alterações climáticas pode ser já um processo de destruição irreversível, considerando que num desses estudos na posse da Shell, essa irreversibilidade seria um facto a partir do momento em que as alterações climáticas se fizessem sentir no dia-a-dia das pessoas. E isso já é assim há mais de 20 anos, pelo menos...

E África...

Sendo o continente africano o que menos contribui para o aquecimento global, é, claramente, o que mais danos sofre, sendo isso visível nas extensas secas que afectam da África Austral. Onde pontifica o sul de Angola, ao Corno de África, as cheias inusitadas do Sudão e da Nigéria, ou a devastação pelas águas na África do Sul, em 2021, entre tantos outros casos...

Mas é em África que tardam as medidas mais simples de protecção do clima, como, por exemplo, a simples proibição do uso dos sacos de plástico de uso único, como os das compras nos supermercados, que são uma das grandes causas de atrofiamento da flora marítima e da poluição dos cursos de água, e os mais importantes produtores de micro plásticos que acabam por chegar à cadeia alimentar humana através do peixe.

Nalguns países esse passo já foi dado, como na Tanzânia ou no Ruanda, mas na maior parte, incluindo Angola, a visão devastadora das praias e rios atulhados de detritos plásticos é, ainda, comum, com evidente prejuízos ambientais mas também económicos, porque é hoje sabido sem dúvidas que o turismo e a poluição são incompatíveis...

Mas também a forma como a poluição sólida, como os resíduos urbanos que vão parar ao mar, afectam dramaticamente a quantidade de peixe no mar... e na costa angolana é conhecido que os mergulhadores desportivos e lúdicos relatam um crescente aumento do lixo ao longo do leito marinho do Namibe a Cabinda...

Há ainda a questão da incontrolada devastação comercial das florestas, em alguns casos com consequências catastróficas porque com essa exploração desenfreada, é destruído o sistema que gera condições para as nascentes de alguns dos grandes rios, estando, por isso, muitos deles a secar...

Mas é ainda comummente aceite que África não pode sofrer as mesmas exigências que são urgentes sobre os países mais desenvolvidos quando ao uso do petróleo, do gás e do carvão, porque o continente ainda não está num patamar de desenvolvimento que permita abdicar dos combustíveis fósseis... excepto se os mais ricos aceitarem custear essa substituição. O que, para já, não parece ser possível...