Dos dois barcos onde se concentram os 1419 migrantes, um com 790 e outro, de nome Aquarius, com 629, apenas este último obteve autorização de um porto espanhol para atracar "por razões humanitárias" e para garantir que não morrem pessoas a bordo, embora sem autorização de permanência, depois de Itália e Malta se terem recusado a recebê-los, apesar de os elementos dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) que estão a bordo terem alertado para o facto de já não haver comido disponível para mais que um dia.

Sobre os 790 migrantes que se encontram no segundo navio a surgir dentro deste problema, até ao momento ainda não surgiu nenhum país europeu disponível para os acolher, sabendo-se que em breve vão enfrentar igual carência de alimentos a bordo.

Estes 1419 migrantes fazem parte das dezenas de milhar que já atravessaram ou estão a atravessar o Mediterrâneo para as costas da Europa a partir do norte de África, a maior parte oriundos da parta subsaariana do continente, desde que as condições do mar melhoraram com o fim do Inverno no hemisfério norte, como, alias, acontece todos os anos na última década.

Recolhidos após naufrágios ou porque as suas embarcações se encontram à deriva pelas embarcações comerciais que se atravessam, por sorte, nos seus caminhos, ou pelas patrulhas envolvidas na Operação Frontex, organizada pela União Europeia com o intuito de combater a imigração clandestina e salvar vidas no mar, estes migrantes vêem, a cada dia que passa, aumentar a resistência dos países europeus em acolhê-los, especialmente a Itália, que há escassas semanas viu subir ao poder uma coligação de cariz xenófobo e anti migrantes. Ameaçando expulsar todos os que estão ou cheguem ao país.

Isso mesmo aconteceu com o navio Aquarius, que viu o ministro do interior italiano, Matteo Salvini, clara e assumidamente xenófobo, ordenar o encerramento dos portos italianos para esta embarcação e as outras que possam precisar de entrar com urgência num porto de abrigo.

Espanha abriu, para o Aquarius, uma excepção, com as autoridades de Madrid a sublinhar que foi feito por razões humanitárias, mas para o segundo navio, com 790 clandestinos a bordo, ainda não há solução.

A bordo desta embarcação estão, entre os 629 migrantes, 123 menores sem acompanhamento, 11 crianças e cerca de uma dezena de grávidas, todos oriundos da Eritreia, Sudão, Gana e Nigéria.

Europa... ou morte!

Muitos dos que tentam a travessia, acabam por morrer em naufrágios ou às mãos dos traficantes de seres humanos que garantem o negócio das passagens do norte de África para o sul da Europa.

Entre muitos outros casos, já este ano, e milhares nos anos passados, registe-se o que sucedeu na semana passada onde pelo menos 112 pessoas que procuravam chegar às costas de Itália em pequenas embarcações, oriundas da Tunísia, morreram num naufrágio que já foi considerado a maior tragédia deste ano envolvendo imigrantes africanos que procuram chegar ilegalmente à Europa.

Há um mês, como todos os anos, quando o Verão no hemisfério norte se aproxima e as condições do mar melhoram, milhares de africanos, provenientes de todo o continente, alguns depois de atravessarem África de lés-a-lés, concentram-se na costa para embarcarem na primeira oportunidade rumo à Europa.

Os pontos mais saturados de africanos, e de asiáticos, porque muitos paquistaneses e, entre outros, afegãos, também recorrem a estas rotas para atingir a Europa, são as costas da Líbia, fruto das muitas organizações de traficantes de seres humanos a operar no país, ou da Tunísia, Marrocos ou ainda da Mauritânia - neste caso o destino tem sido mais as ilhas Canárias.

As partidas são anualmente às centenas de cada vez, por vezes em frágeis embarcações de madeira pouco ou nada preparadas para viagens em mar alto. Os naufrágios, quando ocorrem, o que tem sido frequente, provocam centenas de mortes.

A maior parte destas pessoas, que se dispõem ao risco de morte para chegar ao destino europeu, são jovens oriundos da África subsaariana que encontram nesta "aventura" uma solução para combater a pobreza extrema, as dificuldades em encontrar trabalho, fogem a guerras ou aos efeitos nefastos das alterações climáticas, responsáveis pela desertificação de vastas áreas no continente.

Como tem sido usual verificar através das várias reportagens feitas pelas agências internacionais ou jornais, grande parte destes jovens metem-se à estrada com entre mil e 5 mil dólares ou euros no bolso para poderem pagar aos grupos organizados a "passagem" para Itália ou Espanha que, em muitos casos, sabendo do risco, se traduz na morte no Mediterrâneo.

Estes jovens são, ainda, a esperança de famílias inteiras, ou mesmo pequenas comunidades que, vendendo os seus bens, desde terrenos a animais, entregam nas suas mãos a esperança de que este possa mais tarde enviar dinheiro para casa depois de arranjar trabalho no tal "el dorado" europeu.

Porém, para além das vidas ceifadas pelos naufrágios no Mediterrâneo, ou as que terminam a atravessar os desertos, ou ainda as provocadas pelas balas dos grupos organizados que controlam este negócio, uma grande parte destas pessoas chegam à Europa para se inserirem na pobreza extrema sem trabalho e sem papeis, muitas vezes simplesmente deportados para os países de proveniência. Muitos apenas para voltarem a tentar a travessia.

Resposta europeia

Para responder à insuportável contagem de cadáveres que aparecem nas praias da Europa do sul, ou que são resgatados pelos navios, a União Europeia lançou há alguns anos a operação Frontex, com a participação de vários países e envolvendo navios das marinhas de guerra, helicópteros e embarcações de resgate das guardas costeiras.

Esta foi a forma encontrada para procurar minimizar as mortes no Mediterrâneo, devido à indignação gerada nas populações europeias, especialmente após a visita do Papa Francisco, que foi a Lampedusa, uma ilha italiana onde se concentram milhares de migrantes, manifestar a sua profunda indignação pela falta de resposta e desumanidade mostrada pelos governos da Europa.

Mas também para procurar diminuir as chegadas de ilegais à Europa, porque começam a surgir problemas sérios em alguns países, como a Itália, cujo novo Governo quer expulsar os imigrantes ilegais, ou a Hungria, que mandou construir muros impenetráveis para evitar a entrada destes no seu território, embora o problema mais grave ocorra na Grécia, que já disse não ter mais capacidade de acolhimento e exige soluções a nível europeu.

Os países do sul da Europa são, quase sempre, meros pontos de passagem porque o destino destes milhares de migrantes que chegam diariamente, nesta altura do ano à Europa, são a Alemanha, França e os países nórdicos, como a Suécia.

Actualmente, segundo a Amnistia Internacional, face a este severo problema, a Europa, em vez de proporcionar acolhimento, está a negociar com países africanos formas de impedir os embarques de clandestinos rumo à Europa, voltando as costas aos que precisam de ajuda no mar para não morrerem afogados, incluindo centenas de crianças de tenra idade.

Para além deste naufrágio entre a Tunísia e a Itália, as organizações não-governamentais que se dedicam a ajudar estas pessoas, só este ano, já terão morrido mais de três centenas de pessoas, principalmente nas costas da Líbia e da Tunísia, com destinos em Itália ou na Grécia.

Desenvolvimento, desenvolvimento, desenvolvimento...

Uma das soluções preconizadas pelos organismos internacionais que estudam este problema das migrações é o apoio dos países ricos, destino destes migrantes, aos países pobres, origem dos milhares que todos os anos procuram chegar à Europa.

Auxílio esse que passará por criar um mercado laboral, com apoios concretos na área da indústria e da agricultura, nomeadamente com a abertura de linhas de crédito para relançar economias que, em muitos casos, estão soterradas em problemas resultantes de conflitos ou de prolongadas secas.

Mas também com a deslocalização de unidades industriais como forma de dar emprego aos milhares de jovens que estão sem alternativas e embarcam na aventura em busca do "el dorado" europeu.

Um dos avisos mais comuns destes organismos é que não vale a pena pensar muito, porque em África existem milhões de candidatos à migração clandestina para a Europa, apenas aguardam a oportunidade... e não vai ser possível travar este fluxo com paliativos ou erguendo uma muralha em torno da "fortaleza Europa".

Outro problema é para o próprio continente, porque aqueles que partem são, quase sempre, os mais capazes e, inclusive, os mais abonados financeiramente entre as comunidades de origem, visto ser muito cara a passagem de barco - pode chegar aos 5 mil euros -, o que significa que África está a perder aqueles que, à partida, seriam os mais capazes para garantir o seu desenvolvimento.

O combate à corrupção nos países que mais contribuem para este êxodo africano rumo à Europa é outra das ferramentas que está a ser tentada pela comunidade internacional, visto saber-se hoje de forma inequívoca que esta é responsável com destaque pelo subdesenvolvimento e a crescente pobreza nas sociedades africanas, que estão por detrás da saída dos mais jovens para outras paragens.