Segundo dados do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a tragédia no Mediterrâneo, onde todos os dias se repetem as travessias de africanos em fuga à miséria e aos conflitos, das consequências das alterações climáticas e da má governação em muitos países do continente, está a aumentar em número de vítimas, mesmo que se esteja a assistir a uma diminuição das embarcações a fazer o percurso do norte de África para o sul da Europa.

Estes dados apontam para a morte de 1 em cada 18 pessoas que se fazem ao mar na procura de chegarem à Europa onde almejam melhores condições de vida, entre Janeiro e Julho deste ano, o que contrasta negativamente com igual período de 2017, onde as mortes eram "apenas" de 1 por cada 42 pessoas que iniciavam a travessia.

O relatório divulgado este mês, apesar de alguns elementos novos na informação que contém, na verdade é uma repetição daquilo a que se assiste há vários anos, com milhares e milhares de pessoas a tentarem atravessar o mar para chegarem ao "el dorado" europeu, onde pensam, muitas vezes erradamente, que vão conseguir facilmente trabalho e boas condições de vida.

Este êxodo africano começou há mais de uma década com a actual intensidade, primeiro a partir das costas de Marrocos e das Mauritânia, para as costas de Espanha, continental e a ilhas Canárias, depois o cerco foi-se apertando e os migrantes mudaram o rumo para a Líbia, aproveitando o caos provocado pelo vazio de poder após a morte de Muammar Kaddafi.

Face a este crescente movimento de pessoas, na maioria africanos, mas também oriundos de países asiáticos, quase todos em fuga de condições de vida miseráveis, a União Europeia criou uma agência, a Frontex, para patrulhar e vigiar as águas do Mediterrâneo, procurando dissuadir a travessia.

Ao mesmo tempo, organizações internacionais de defesa de Direitos Humanos começaram a colocar embarcações para evitar as mortes em naufrágios que começaram a surgir nas tv"s mundiais aos milhares, o que levou o actual o Papa, Francisco, a escolher uma ilha italiana, famosa pelo número de ilegais que ali aportam, Lampedusa, para a sua primeira deslocação oficial, apelando a que as ricas potências europeias pusessem fim à tragédia em curso no Mediterrâneo.

Apesar destes esforços, e de vestígios de intenção de apoiar o desenvolvimento dos países de origem destes migrantes por parte dos países europeus, a verdade é que a tragédia segue de vento-em-popa, com destaque para as rotas para a Grécia, Espanha e Itália.

Apesar de o mar ser ainda o local onde mais se morre nestas jornadas rumo a norte, são cada vez melhor conhecidos os números de outra tragédia de dimensões gigantes, que é o que se passa na travessia do Saara, onde morrem centenas de pessoas todos os anos sem que delas se tenha sabido até há pouco tempo.

Números actuais

Segundo o ACNUR, a Espanha, que se tornou o principal ponto de entrada no continente europeu, chegaram 27.600 migrantes, por via marítima (23.800) e terrestre (3.800).

À Grécia chegaram 26.000, e a Itália 18.500, o que representa globalmente uma diminuição das entradas, que o organismo atribui em parte aos esforços que os Governos europeus estão a fazer para reduzir a imigração clandestina, embora critique que o façam sem aumentar o acesso a meios seguros e legais para aqueles que pedem protecção internacional.

A rota do Mediterrâneo que leva a Espanha foi onde a mortalidade mais aumentou, ao passar de 113 casos para 318 no período analisado de 2017 e 2018, respectivamente.

Em Itália, o número de mortes caiu de 2.276 para 1.095, mas, na realidade, a taxa de mortalidade duplicou, se se tiver em conta que as chegadas por mar baixaram de 95.200 para 18.500, segundo os dados constantes do relatório.

Na rota do Mediterrâneo oriental, que faz a ligação entre a Turquia e a Grécia, o número de mortos subiu de 38 para 99.

Esses dados excluem quem morreu na rota até ao local de embarque, seja na Líbia, no deserto do Saara ou em qualquer outro ponto do norte de África.

O factor central que terá contribuído para o aumento da mortalidade no Mediterrâneo terá sido a redução da capacidade de busca e salvamento na costa da Líbia, quando comparada com a que existia um ano antes, quando oito organizações não-governamentais (ONG) resgataram 39.000 migrantes.

Em contraste, nos primeiros sete meses deste ano, a guarda costeira líbia foi a principal responsável por essa tarefa, com dois barcos de patrulha, e só duas ONG se mantiveram presentes.

O ACNUR afirma que o resultado destas alterações foi que "as interceções e resgates cada vez ocorrem mais longe da costa", fazendo com que os migrantes viajem em embarcações precárias e inseguras durante mais tempo e percorrendo maiores distâncias.

As mudanças na dinâmica migratória via Mediterrâneo também levaram a mudanças nas principais nacionalidades que chegam à Europa.

Entre Janeiro e Julho de 2017, eram essencialmente procedentes da Nigéria, Guiné-Conacri e Costa do Marfim e usavam a rota central para chegar a Itália.

Este ano, a Síria, o Iraque e a Guiné-Conacri são os países de origem mais representados e os migrantes utilizaram sobretudo a rota do Mediterrâneo ocidental.