Acontece que nas leis orçamentais anuais que fez aprovar pela Assembleia Nacional para os exercícios de 2023, 2024 e 2025, assim como na proposta de lei para o orçamento de 2026 que acaba de submeter, o Governo inseriu disposições que constituem violação da Constituição da República de Angola (CRA) e da lei, nomeadamente o n.º 4 do artigo 104.º da CRA e a Lei n.º 15/10, de 14 de Julho - Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) (com a revisão feita pela Lei n.º 24/12, de 22 de Agosto). Isso porque no n.º 4 do artigo 104.º da CRA dispõe que "a lei define as regras da elaboração, apresentação, adopção, execução, fiscalização e controlo do Orçamento Geral do Estado", sendo que essa lei é a Lei n.º 15/10, a qual, em obediência ao princípio da separação de poderes, subordina as alterações do OGE pelo Titular do Poder Executivo (TPE), como princípio, à autorização prévia da Assembleia Nacional (cf. Os artigos 26.º e 27.º), o que, entretanto, tem sido sistematicamente derrogado em sede das leis orçamentais anuais, com disposições que permitem ao Titular do Poder Executivo alterar todo o orçamento sem qualquer escrutínio da Assembleia Nacional (cf. o Capítulo II - Ajustes Orçamentais).
E isso dura, entretanto, desde o OGE de 2014. Por outro lado, ao contrário da anterior lei do Banco Nacional de Angola (BNA) - a Lei n.º 16/10, de 15 de Julho - que permitia o financiamento monetário do défice orçamental pelo BNA, via aquisição directa de títulos do Tesouro Nacional por este, a lei em vigor - a Lei n.º 24/21, de 18 de Outubro - no seu artigo 35.º (Limites de concessão de crédito), dispõe que "o BNA pode conceder ao Estado, anualmente, crédito sob a forma de conta corrente até ao limite equivalente a 10% das receitas ordinárias do OGEarrecadadas no último ano", devendo o valor e os respectivos juros ser liquidados, em dinheiro, até 31 de Dezembro do ano a que respeite. Portanto, a actual Lei Orgânica do BNA só permite que este conceda créditos de tesouraria ao Estado e não o financiamento do défice orçamental, de modo a que as pressões inflacionistas daí decorrentes sejam mitigadas. Acontece, entretanto, que desde a Revisão do OGE de 2020 e, subsequentemente, com os OGE dos anos seguintes, que o Poder Executivo vem propondo e a Assembleia Nacional vem aprovando, em sede das respectivas leis orçamentais, derrogações do artigo 35.º da Lei do BNA, com disposições que autorizam o BNA a financiar o défice orçamental a pelo menos 5 anos.
Ora, tanto a derrogação de disposições de uma lei emanada da CRA (a Lei do OGE) quanto de uma lei orgânica (a Lei do BNA), em sede de leis ordinárias como são as leis orçamentais anuais, não abonam a favor da consolidação do Estado de Direito, antes pelo contrário.
Por outro lado, com a derrogação da Lei do OGE, os OGE aprovados pela Assembleia Nacional tornam-se
meramente indicativos para o Governo, de tal modo que, sistematicamente, acontece que se orçamenta mais recursos para a Educação e Saúde, quando comparado com a Defesa e Segurança e Ordem Pública, mas, em termos de execução, estes acabam por beneficiar de recursos mais elevados (cf. os gráficos), facto que compromete a pretensão enunciada no PDN 2023-2027 de redução das desigualdades sociais.
Relativamente ao financiamento monetário do défice orçamental, ele vai em contramão da pretendida "diversificação económica sustentável", da "Estabilidade e Crescimento Económico", bem como da redução das desigualdades sociais, uma vez que potencia a inflação, a qual prejudica o crescimento económico e, consequentemente, a diversificação da economia, assim como erode o poder dos mais desfavorecidos, acentuando as desigualdades.
É claro que, tratando-se de leis, a responsabilidade por esse cenário deve ser assacada ao Poder Legislativo. E torna-se confrangedor saber que na Assembleia Nacional abundam deputados com qualificações em Direito (alguns deles especialistas em Direito Administrativo ou em Direito Constitucional) e em Economia.■

