Tarifas em Alta: Um Peso para Quem Já Sofre
Em 2023, o Governo angolano anunciou aumentos nas tarifas de água e electricidade, justificando a medida com a necessidade de reduzir subsídios e modernizar infra-estruturas. Mas os números mostram contradições. Por exemplo, em Luanda, onde vive quase um terço da população, a tarifa de água subiu 20%, enquanto a luz teve um aumento médio de 15%. Para muitas famílias, que já gastam até 25% do seu rendimento mensal em serviços básicos (dados do INE, 2022), este ajuste significa escolher entre pagar contas ou comprar alimentos, num contexto em que a inflação anual ronda os 14% (2023).
Além disso, a desigualdade é brutal. Enquanto em Luanda ou Benguela a cobertura de electricidade chega a 60%, em províncias rurais como o Cuando Cubango ou o Cunene, esse valor cai para menos de 10%. Ou seja, o aumento das tarifas penaliza sobretudo os que já estão excluídos: 54% da população vive abaixo da linha da pobreza (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2023).
Infra-estruturas em Colapso: O Outro Lado da Moeda
A defesa do aumento baseia-se na necessidade de investimento. Cerca de 40% da água tratada perde-se por fugas em tubulações antigas ou vandalizadas, segundo a Empresa Pública de Águas de Angola. Na electricidade, a dependência de barragens hidro-eléctricas (como a de Laúca) expõe o País a crises durante secas, como a que afectou o Sul entre 2021 e 2023, deixando milhões sem luz por meses.
O problema é que a confiança nas empresas públicas é baixa. A ELECTRA, empresa nacional de electricidade, tem uma dívida acumulada de mais de 2 mil milhões de dólares, segundo relatórios do Ministério da Energia (2022). Sem transparência, é difícil acreditar que o dinheiro dos aumentos será usado para resolver estes problemas.
Manter as Tarifas: Um Risco Económico
Congelar tarifas também tem custos. O Estado angolano gasta anualmente cerca de 1,5% do PIB em subsídios à água e luz. Num país onde a dívida pública equivale a 85% do PIB (FMI, 2023), este apoio é insustentável. Sem investimento, o sistema degrada-se: em 2022, só 35% das famílias urbanas recebiam água canalizada diariamente, segundo o INE.
O Que Falta? Diálogo e Soluções Direccionadas
Angola é um dos países mais desiguais do mundo (índice de Gini de 51,3), e qualquer medida tarifária deve considerar esta realidade. Países como a Namíbia ou o Botswana usaram modelos de tarifas sociais, em que famílias pobres pagam menos pelos primeiros blocos de consumo. Em Angola, porém, não há registros robustos de rendimentos, o que dificulta a aplicação de subsídios direccionados.
Além disso, a falta de debate público agrava a crise. O anúncio dos aumentos foi feito sem consultar associações de bairro, sindicatos ou organizações da sociedade civil. Para piorar, muitas zonas rurais nem sequer têm acesso a tarifas - dependem de fontes informais, como poços não protegidos ou geradores privados, que custam 3 a 5 vezes mais do que a tarifa pública.
Conclusão: Um Problema que Não é Só de Preços
A subida das tarifas em Angola expõe uma teia de problemas: infra-estruturas fracas, pobreza extrema e falta de transparência. A solução não pode ser apenas técnica. É preciso:
1. Diálogo aberto com a população, explicando como os recursos serão usados;
2. Subsídios direccionados a famílias pobres, usando critérios claros;
3. Investimento prioritário em zonas rurais, onde o acesso é quase inexistente.
Enquanto o Executivo não reconhecer que água e luz são direitos humanos - e não apenas produtos a serem taxados -, os aumentos serão vistos como mais um ataque aos que já vivem no limite. Em um país com tanto petróleo e diamantes, é paradoxal que a luz ainda seja um luxo.
*Coordenador OPSA