Dos pelo menos 11 milhões de eleitores portugueses, incluindo um milhão e meio de residentes no estrangeiro, menos de cinco milhões depositaram o seu voto nas eleições que reconduziram Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República.

Reeleição ensombrada por essa elevadíssima taxa de abstenção que retirou o brilho de uma vitória há muito anunciada. Talvez aqui resida parte do desinteresse do eleitorado.

Nas primeiras eleições nacionais com o país em confinamento geral, onde a palavra de ordem é "fique em casa", nem a excepção decretada pelo Governo de António Costa para quem fosse votar foi suficiente para mobilizar os eleitores em massa, numa altura em que os números da pandemia batem records todos os dias com mortes diárias perto das 300 pessoas e mais de 15 mil infectados, num país de pelo menos 10 milhões de habitantes.

Nem o aumento considerável de secções, com o intuito de diminuir as filas para votar, nem o desconfinamento temporário para exercer o dever cívico impediram essa falta de comparência da maioria do eleitorado, que se assemelha a um boicote à própria democracia.

Será pouco honesto justificar a abstenção com a Covid-19, se nos lembrarmos, por exemplo, de que há cinco anos, nas eleições que elegeram Marcelo Rebelo de Sousa pela primeira vez, sem pandemia e sem resultados pré-anunciados, a abstenção ultrapassou os 51%, até então a segunda maior abstenção numas presidenciais desde 1976.

Desde 2001 que a percentagem de eleitores portugueses que não compareceram nas urnas em reeleições presidenciais está sempre acima dos 50 por cento.

Não só nas presidenciais. Em geral, a abstenção tem crescido nas eleições em Portugal.

Nas legislativas de 2019, atingiu-se novo recorde, com uma taxa de 51,4%, quando mais de 5,5 milhões de eleitores não foram às urnas.

As maiores recordistas do abstencionismo português costumam ser as eleições para o Parlamento Europeu.

Também em 2019 o número foi o mais alto de sempre: 68,6%.

Um estudo revelado pelo Parlamento Europeu, em Setembro do ano passado, citado pelo jornal "Público", apontou que a insatisfação com a política, em geral, é o principal motivo indicado pelos inquiridos para não comparecerem nos locais de voto.

Depois, em segundo lugar, surge a falta de conhecimento sobre a União Europeia ou o Parlamento Europeu.

A pandemia coloca novos desafios à Democracia, nomeadamente sobre a participação dos eleitores nos pleitos, as formas de fazer campanha, sobretudo de rua, o contacto directo, porta-a-porta, entre candidatos e eleitores, entre outros.

Nos tempos pós-Covid, importa encontrar novos modelos que propiciem a participação efectiva e massiva do eleitorado, sob pena de a abstenção constituir um elemento de adulteração da verdade eleitoral democrática, ou seja, transformar-se na pandemia da democracia, segundo vários analistas.

Uma das formas usadas neste pleito de Portugal, o voto antecipado atraiu apenas 133 mil votantes e o burocrático regime extraordinário de recolha de votos que decorreu na semana das eleições reuniu a insignificante quantia de 13 mil votos.

Com estes números, a décima eleição presidencial de Portugal desde 1976 provocou um debate consensual sobre a necessidade de se adaptar as leis eleitorais ao momento actual da era do digital.

Votos por correspondência, electrónico e outros são algumas das propostas em debate que os políticos não poderão continuar a ignorar.

Outro sinal que estes dados abstencionistas transmitem é a necessidade de mudança da forma de fazer política para uma mais centrada na pedagogia da igualdade.

A sobranceria e a arrogância políticas, o desnível em termos mediático entre políticos-candidatos, também ajudaram na fraca afluência às urnas.

A tentativa de retirar ideologia a uma das mais importantes eleições do país, com a ausência do partido do Governo, o Socialista, maior partido de Portugal, da família da social-democracia europeia, para além de favorecer uma extrema-direita em ascensão, foi factor impulsionador da abstenção.

Essa atitude veio demonstrar que o tacticismo no lugar da ideologia se torna muito perigoso para a política a médio e longo prazos e constitui uma séria ameaça à democracia.

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