Havia luzinhas que se acendiam e apagavam, como estrelas cintilantes de enigmáticos firmamentos, no breu nocturno do jardim do Negage. Um útero mágico. Os pirilampos que nos alegravam a noite "não eram balas tracejantes". Permitiam-nos viagens por mundos imaginários e transformavam o nosso universo em algo incomensurável.
O pirilampo é algo frágil, como uma ideia. A sua luz, tão ténue na noite escura, "não é carvão em brasa". É filigrana, melodia delicada, desenho adivinhado na superfície de um lago adormecido. Parece poder ser apagada definitivamente com a mais leve das falsas intenções.
Ou pode resistir e iluminar o mundo. Um mundo (ideal) de pirilampos, a luz em cada um de nós, construindo um caminho comum, alegre e firme, "como requebro de dança feiticeira", onde a justiça impere. O pirilampo como lanterna de Diógenes.
Um universo de poesia.
Os pirilampos só existem se ousarmos acreditar. Se os protegermos. O descuido e o egoísmo não deixam lugar a que resistam tão frágeis criaturas. São companheiros do "unicórnio azul", o único, que cada um de nós possui, mas que se perdem, se são por nós esquecidos.
Perdidos, procuram um rosto, na multidão, onde encontrem a etérea claridade emitida por um qualquer pirilampo. O companheiro. O refúgio.
As crianças amam os pirilampos. Procuram no unicórnio a companhia de todos os dias.
Os homens, infelizmente, arruínam todas as utopias.
O pirilampo
não é
carvão em brasa
a saracotear-se
em noite escura
nem
bala tracejante
ferindo
o véu da noite
seu
volteio
é
requebro
de
dança
feiticeira
RUI EDUARDO (in "Aspiração")