Recordo-me de que, ao queixar-me do "kassengo" que fazia, te riste a farta como se estivesses algures do teu querido Kwanza-Sul, para me alertares que o verdadeiro chegaria antes do Natal. E uma recomendação: "Cuida-te, meu irmão!"

Estavas na Alemanha Ocidental em representação do MPLA e colaboravas na Deutsche Welle, na secção de língua portuguesa.

Nos teus programas, a tónica principal era a difusão da luta heróica de libertação dos povos sob domínio colonial, incluindo Goa, Damão e Dio, territórios ocupados pelos portugueses de onde numa esmerada e cuidada acção, o hoje general lngo, Benigno Viera Lopes, evadiu-se para se integrar na guerrilha e tempos depois com outros camaradas de armas, abriam a II Região Político-Militar.

Foi através de ti e com o apoio do Passos que obtive o passaporte argelino.

Com aquele documento, mau grado os impedimentos políticos que África vivia para usufruir da livre circulação e iniciava, em 1966, a minha carreira como representante do MPLA no Gana.

Mas a vida, Luís, amável e carinhosamente nos tratávamos, para chegar até o dia da Dipanda, tivemos de pôr de parte alguns sonhos e negarmos a vida fácil.

Colocado na Argélia em anos complicados na nossa agenda política e militar, paralelamente cumpriste com sucesso outras missões.

Calcorreaste novos caminhos, conheceste dezenas de gabinetes de- apoio aos Combatentes de Libertação ou Ministérios dos Negócios Estrangeiros dos países amigos, conviveste noutros hábitos ou costumes, ouviste, falaste ou melhoraste as línguas daqueles que te acolhiam.

Neste momento, quando tento alinhavar algumas recordações na tua memória, passa-me a imagem quando saías da Secretaria-Geral do então Ministério de Informação para tomares conhecimento, fruto da tua longa experiência nessas lides, que serias Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular de Angola em França. Mais tarde cumpririas as mesmas funções no Reino da Bélgica e na Holanda.

Na história da diplomacia de Angola, fica registado que foste o primeiro Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário a acumular três missões!

E nessas vestes, recordo-me, igualmente, como te entregaste e tratavas do apoio aos teus colegas embaixadores dos PALOP quando te fosse solicitado.

Foram anos de árduo trabalho político, diplomático com os saudosos exigentes ministros Paulo Jorge e Venâncio de Moura nos comandos da nossa casa.

Momentos da combinação entre a diplomacia e a guerra contra o Apartheid. Mas também de solidariedade com a luta justa dos povos namibiano e sul-africano.

Deixas marcas e largos ensinamentos para os actuais e futuros diplomatas e no seio da diplomacia angolana.

Com certeza, poucos se olvidarão que o imponente imóvel que serve de Embaixada de Angola na Avenue Foch, um dos locais emblemáticos de Paris, se deveu à tua calejada persistência e muitas vindas a Luanda.

Muitos não imaginam quantas noites perdeste para abrir a Embaixada em Bruxelas.

A tua vida diplomática é uma larga ficha de prestação de serviços que soubeste cumprir com mestria. Mas a tua missão de "abridor de Embaixadas", como dizíamos na Sede, continuaria. Foste um diplomata de mãos cheias, porque conseguias fazer convergir muitas ideias e inúmeras visões.

Hoje, ao separar-nos para sempre, quero que o vento leve os meus agradecimentos que brotam do coração as tuas visitas ao hospital, mesmo com dificuldades na tua mobilidade, os dois últimos encontros realizados na Embaixada e desfilar das nossas actividades durante os quase 40 anos na/da vida diplomática. Lembro-me ainda do almoço que me ofereceste em companhia da embaixatriz num dos restaurantes no Campo Pequeno e finalmente, e ao despedir-nos, a recomendação: "Cuida-te, man Bires! Somos poucos".

- Sim, man Luís, vou cuidar-me até onde as forças permitirem.

- Porque somos poucos, tentarei cuidar-me até onde puder, para que um dia também em teu nome possa contribuir com a nossa experiência eliminar alguns detalhes menos desejáveis que assombram a nossa casa.

Meu irmão, deixa na areia que irá cobrir o teu caixão tudo quanto menos bom que a vida diplomática te pregou nos últimos quilómetros da tua singular corrida.

Um pedido que vem do coração dum amigo e colega: descansa eternamente em paz!

*Embaixador de carreira