Em nome da economia de palavras que esta incursão nos exige, começo por dividir este olhar pelo retrovisor (já empoeirado) do tempo em dois grandes períodos. O primeiro, que vai de 1975 até à 1991/92, tendo como referência a aprovação e entrada em vigor da primeira Lei de Imprensa que o País conheceu, após 16 anos de Dipanda. A completar nesta altura 28 anos, o segundo período com muita turbulência/ avanços e recuos/ altos e baixos/equívocos (qb) pelo meio, vai até aos dias de hoje e, pelos vistos, vai continuar.

Mesmo sendo pessimista e, por vezes, agoirento, por causa de um tal de um tal lei de Murphy, desta vez não estou a ver a possibilidade de regressarmos a uma ditadura, onde as liberdades de expressão e de imprensa seriam suprimidas. Se quiséssemos ser mais exaustivos, teríamos, naturalmente, que subdividir este segundo período, que prossegue dentro de momentos, em várias etapas todas elas problemáticas.

É o resultado das ambiguidades e mesmo das truculências que o poder político (no nosso caso tem sido sempre o "Mesmo") tem emprestado ao seu relacionamento com a liberdade de imprensa e com o jornalismo. Em relação ao primeiro período dominado pelo "Monopartidarismo, é caso para dizer, com um sorriso amarelo nos lábios, que as coisas correram muito melhor, até do ponto de vista da própria transparência política.

É o que agora vai faltando mais, devido ao jogo da própria sobrevivência de quem está no poder há 45 anos, já no contexto do Estado Democrático de Direito, que para uns continua a ser mais para inglês ver do que para consumo interno. Não houve as ambiguidades do segundo período. Todos sabíamos bem quais eram os limites nessa época.

É bom que se diga, em nome da própria honestidade intelectual, que grande parte de nós acreditava neles, nos limites, num contexto marcado pela guerra, literalmente, sem fronteiras, onde, como todos sabemos, a verdade pura e dura é sempre a primeira vítima a tombar. Entre nós também tombou e como tombou! Para os devidos efeitos, entre nós esta verdade até não precisava de ser muito dura, pois uma vez até fui notificado pela Segurança de Estado para ir responder pelo conteúdo de uma crónica que tinha publicado no Jornal de Angola sobre a carência de alguns bens nas nossas lojas públicas, as do famoso Comércio Interno. Eram mais os chamados "bens não perecíveis", para usarmos a terminologia oficial da época quando se referia basicamente aos têxteis e aos electrodomésticos.

A autocensura (que permanece até hoje) fez o resto do trabalho nesse primeiro período da história com alguma eficácia e quase nenhum desgaste político para a imagem do partido único, o Partido do Trabalho, e para o seu projecto socialista que acabou por borregar.

Na República Popular de Angola, nunca houve propriamente um regime de censura prévia como conhecemos de outras ditaduras, em que funcionava o lápis azul e a tesoura afiada, com toda a "bufaria" de serviço. Este primeiro período foi marcado logo em 1976 pela extinção do Ministério da Informação, que na altura era dirigido por João Felipe Martins (in memoriam) na sequência de uma draconiana resolução adoptada pelo CC do MPLA no seu plenário de Outubro e já num contexto da luta política interna que viria a desembocar no 27 de Maio de 1977.

Ao que nos constou, também foi nesse encontro que se decidiu pelo encerramento do vespertino "Diário de Luanda" que, com o matutino "Jornal de Angola", eram na altura os dois únicos diários que circulavam na capital do País com alguma distribuição nacional, muito pouca ou quase nenhuma, por sinal. Foi um golpe fatal na saudável concorrência que então existia entre os dois diários, mesmo que bastante limitada em termos editoriais. Já eram os dois porta-vozes do regime, embora não partilhassem das mesmas abordagens sobre a conjuntura que se vivia. Angola, a partir dessa altura, ficou "refém" de um só jornal, situação que, lamentavelmente, se prolonga até aos dias de hoje, depois de "O País" ainda ter tentado durante alguns anos fazer concorrência ao "nosso (imbatível) Pravda".

Hoje, devido à Internet e à televisão por satélite, as coisas estão completamente diferentes e já quase que não se sente este monopólio do passado, pelo menos para todos que têm acesso a este novo mundo digital, que ainda são muito poucos no conjunto nacional. É bom que não nos esqueçamos disto, sobretudo quando valorizamos a importância da nova dor de cabeça dos governos, em que se transformaram as redes sociais. Com estas medidas adoptadas pelo CC do MPLA, o pouco jornalismo que se fez e a muita informação e propaganda que se produziu entre 75 e 91/92 passaram para a rigorosa e vigilante tutela do Departamento de Informação e Propaganda do CC do MPLA, o "lendário" DIP, com todas as consequências nefastas para a própria liberdade, que já estava muito limitada.

Já ultrapassei a fasquia dos 5 mil caracteres, pelo que, e à guisa de conclusão, diria que vivi por inteiro e por dentro estes 45 anos da nossa história da comunicação social/jornalismo. Fiz quase tudo como profissional nas experiências que fui tendo pela rádio, jornais e televisões e agora no digital, em que como blogger comecei em 2006/7 com o Morro da Maianga, designação com que decidi homenagear a zona onde nasci em Luanda e dei os primeiros passos da minha vida. Já faço parte do grupo das pessoas que tem mais passado do que futuro, mas ainda não pendurei as chuteiras, nem penso em fazê-lo enquanto os meus sentidos/faculdades me permitirem. Olho hoje para esta trajectória ainda com alguns receios quanto ao futuro da liberdade de imprensa e à qualidade do nosso jornalismo.

Quarenta e cinco anos depois, continua a haver demasiada turbulência na nossa navegação quando já devíamos estar a voar calmamente e em velocidade de cruzeiro, sem termos necessidade de fazer aterragens de emergência, como continua a acontecer. Seja como for, e por mais que as condições externas condicionem o produto final, acho que a aposta da qualidade do jornalismo está nas mãos de quem o faz, pois sem bons e ousados jornalistas não vamos ter o que todos gostaríamos de ter e de nos orgulhar diariamente pela nossa contribuição.

Penso assim que o défice do profissionalismo e da qualidade ainda é um dos desafios que não estão vencidos. Não está, não. Nas actuais condições, tendo como maior concorrente um novo e estranho "jornalismo" que nasceu nas redes sociais mais como projecto político fragmentado do que qualquer outra coisa parecida, o desafio ainda é maior e mais urgente diante de uma concorrência tão desleal, que nem precisa de sair da cama para fazer grandes reportagens e levar a cabo ainda maiores e mais profundas investigações jornalísticas.