Contrariamente a experiências que nos são muito próximas, Angola é o único país que declarou guerra à corrupção e que partiu em busca dos avultados valores desviados sem ter uma ideia concreta do que viria a encontrar ao longo desse processo. Estamos inclusivamente lembrados de que a Procuradoria-Geral da República chegou a reconhecer que não tinha quadros qualificados para lidar com o fenómeno. O Executivo, por sua vez, por desconhecimento, estratégia ou simplesmente incapacidade, também admitiu ser difícil e chegou mesmo a fazer uma espécie de corta-mato, alertando que "não convinha estarmos expectantes que seriam divulgados valores quando terminasse o prazo para que voluntariamente fosse repatriado o capital transferido ilegalmente para o exterior".

Volvidos hoje dois anos e alguns meses, percebe-se ainda uma zona bastante cinzenta em relação ao tratamento que se está a dar ao processo, uma vez que ainda não se conhece ao certo a dimensão do prejuízo financeiro para o país, o que, a nosso ver, mantém o processo numa situação de imprevisibilidade e de indefinição de cálculo. Na verdade, está-se a combater um fenómeno com rostos até certo ponto selectivos mas desconhecendo-se a dimensão exacta do mesmo.

Justo seria se os ganhos deste combate à corrupção não se limitassem a atender a uma agenda política do titular do Poder Executivo, dado que hoje uma das principais figuras visadas foi e é o ex-Presidente da República e pessoas ligadas a si, como familiares e/ou figuras da sua entourage que se diz servirem os seus interesses económicos.

O Presidente João Lourenço continua, entretanto, posto numa "saia justa" porque os questionamentos de natureza ética continuam a ser postos sobre a mesa: como poderá levar a cabo um processo de combate à corrupção quando tem ao lado todos aqueles que serviram o anterior chefe do Executivo e sabendo à partida que todos beneficiaram de um processo de enriquecimento ilícito que teve início no período da guerra, o que levou ao entendimento de que o generalato era sinónimo de riqueza, de impunidade, de autoridade e de um poder paralelo àquele instituído pelo consagrado na Constituição?

Hoje o que mais se questiona é precisamente o carácter universal e impessoal do combate à corrupção e continuamos a ver um questionar sobre a velha teoria dos peixes graúdos e miúdos... mas não se vislumbra uma abordagem pública do fenómeno, que passaria por estabelecer um pacto entre o Poder Político e a sociedade e entre o Poder Judicial e a sociedade angolana. O processo de combate à corrupção, para que se faça cristalizado e um procedimento que não atinja apenas adversários políticos, deve ser olhado sem melindres, dado que é um fenómeno que todos os angolanos reconhecem ter sido um apêndice da manutenção do Poder Político em Angola.

Todos nós assistimos a actuações do Executivo que indiciavam uma estratégia que visava silenciar aquelas vozes incómodas; aquelas que não foram necessariamente corrompidas tornaram-se mais tarde em advogados do Poder Político e apresentando sinais exteriores de riqueza cuja origem todos nós sabemos que provinha do suborno, porque importava manter estas vozes caladas.

Todos esses fenómenos são conhecidos por todos nós. Ninguém poderá, nesta altura do campeonato, questionar o sexo do cão ou da cadela, porque sempre esteve à vista de todos. Logo, o combate à corrupção, se de facto pretende atingir objectivos que sirvam os interesses republicanos, deve passar por uma abordagem mais objectiva e transparente do fenómeno.

Precisamos de saber, por exemplo, se ser general será sinónimo de impunidade e se os generais que sempre mantiveram uma posição ética de coerência também gostavam de saber se os seus nomes hão-de ser manchados por uns quantos que usaram das patentes para tomarem de assalto o país.

A nós interessava perceber como todo esse processo se vai continuar a desdobrar quando são conhecidas figuras que sempre estiveram à frente da embocadura do enriquecimento e de todo processo que se conheceu como acumulação primitiva de capitais. Posto isso, João Lourenço deve superar-se a si mesmo ou o país deve forçar a esmerar-se um pouco mais?