Posso pedir uma prenda? Um presente? Posso fazer um pedido? Ter um desejo realizado? Não se preocupem, que não pedirei muito, apenas peço que me deixem dar um kandando. Sim, é só isso, um kandando bem apertado, sem precisar de usar roupas protectoras. Quero dar um kandando normal, como os que dávamos sempre que nos cruzássemos ou aqueles especiais que dávamos no réveillon. Posso?

Nesta altura do ano, é normal haver prenda, oferta, desejos realizados, sonhos concretizados, então o meu pedido é para que o coronavírus deixe de ser um incómodo, o causador de tanta lágrima, de tanto pranto, de tanta dor, de tanto sofrimento, de tanto lugar vazio. Que esse vírus maldito se vá para não mais voltar e que leve com ele outros tantos vírus e bactérias que tanto mal nos têm causado e que levem também de esquebra as desgraças que nos apoquentam!

Até quando continuaremos mascarados, a respirar esta aflição que nos impede de sentirmos o doce aroma das nossas vidas? Até quando nos conteremos para não abraçar quem gostaríamos? Até quando sentiremos saudades de dar uma boa passada ao som daquela quizomba que nos faz acelerar os batimentos cardíacos? Até quando esperaremos para bater bola com os kambas? Até quando as empresas continuarão a fechar, empregos a caírem, bons profissionais a ficarem sem onde tirar o pão? Até quando estaremos com receio de partilhar, de dar e de receber o bem, o amor? Até quando as escolas continuarão a ter essa distância que custa a aprender e a entender? Até quando as crianças evitarão brincar entre elas, com medo do tal dito-cujo corona? Até quando 2020 significará desgraça? Até quando viveremos com medo? Para quando e quanto custará a solução? Será a vacina? Qual delas?

Enquanto aguardamos pelo ansiado, reconfortante e bendito kandando, vamos proteger-nos, evitar descuidos, abusos, farras com muita gente desmascarada em abraços suspeitos e troca de afectos teimosos em copos regados com insolência e desrespeito pelo trabalho de quem na linha da frente dá o litro para garantir a nossa saúde, segurança e vida.

Quero sair deste sítio, quero acordar deste pesadelo, quero despertar e viver num mundo melhor, sem as máscaras do medo, sem a fome que se agravou, sem as desigualdades sociais tão grandes que se agigantam, sem as dificuldades espremidas como se fossem passageiros num autocarro a sair de Viana para a Baixa de manhã cedo.

Queremos poder não ser pessoas de risco, casos suspeitos, IGG ou outros Gs, queremos ser apenas nós, apenas tu ou eu, filhos de Maria e José, de Paulo e Ana, Campos e Alexandra, Antónia e Jorge, sermos cidadãos bem identificados, sem sermos dados estatísticos numa página que cause dor, medo, susto. Queremos não ser os lugares vazios nos lares de quem já não tem lágrimas para verter, nem sabe mais como se aguentar, porque quem amava se foi, quem cuidava sumiu, levado por esta maldita doença que não olha a quem, não mede altura, não se assusta com o estatuto social, não se amedronta com tamanhos, chega, faz, desfaz e deixa desgraça, deixa espaços vazios, tão vazios que não se sabe quando serão preenchidos, porque nem o último adeus foi dado, ficou no kilapi.

Este maldito vírus tem levado muita boa gente, tem destruído lares, tem desfeito famílias, tem fechado casas, desfeito vidas, deixado sonhos por realizar, pais sem filhos, filhos sem pais, irmãos sem manos, amores sem paixões, país sem quadros.

É triste, muito triste.

O que fazer? Por enquanto, vamos cuidar-nos mais, proteger-nos e proteger quem amamos. Vamos dar-nos mais e ver como é que podemos ser melhores do que somos e ajudar com que outros sejam também bem melhores pessoas, cidadãos, seres humanos. Vamos viver e deixar viver, fazendo feliz sempre que for possível, para que amanhã possamos, então, dar aquele tal kandando que nos permitirá sentir o alívio no suspiro do sorriso desmascarado soprado pela energia transmitida num caloroso aperto de mão. Katé