HR sustenta os seus argumentos contra, na existência de outras doutrinas mais modernas, baseadas noutros factores preponderantes e eficazes, na prevenção e na repressão, mais do que no simples agravamento da moldura penal para aqueles crimes. Exprime da leitura que faz a sua dúvida quanto à insuficiência para se atingir o desiderato político criminal a que o Estado angolano se propõe. Estado, entenda-se Governo angolano.

Faz notar o direito que assiste ao Sr. Presidente da República, do "veto político", tal como considera a sua oposição salutar e enriquecedora da cultura democrática e robustez do diploma. O mesmo HR não nos faz saber por que razão entende que o agravamento se não haveria de traduzir em maior sucesso, como não basta que afirme que nas doutrinas hoje dominantes as penas de prisão vêm demonstrando a sua ineficácia, enquanto instrumentos de política criminal e, por isso, em curso de substituição.

Sendo esta pela sua natureza, matéria do âmbito jurídico, difícil fica a quem não seja versado, ademais neste ainda mais complexo ramo do Direito, argumentar. Mas como o veto se fundamenta em razão política, vamos poder reflectir outras visões, outros argumentos. Não é certamente nada que se pareça ao "exo planeta" descoberto há 23 milhões de anos luz e 3.200 graus de temperatura.

Primeiro: é ou não verdade que a Nação vive, sabe e convive com uma categoria de dirigentes, empresários, seja no partido dominante, seja no Governo, associada à má versão dos bens públicos, à sua apropriação privada, ao mau uso dos cargos, ao encobrimento dos malfeitores e à sua impunidade?

O projecto político e as promessas que o Governo representa há vários ciclos revelam mais os fracassos ou mais os sucessos das aspirações sociais da Nação, mesmo diante dos resultados eleitorais, mais que confortáveis?

Existem forças sociais e políticas de menos ou existe mais gente de menor qualidade, afeiçoada à lógica da integridade e da defesa do bem comum, para liderar capazmente os destinos da Nação?

Será socialmente adequado que a justiça angolana, já tão ferida de credibilidade, ignore a dimensão e a grandeza, o volume e a frequência com que se depara com casos de improbidade, corrupção e desvios de conduta, de evidentes suspeitos?

É ou não o velho e crónico domínio partidário, empecilho cúmplice do aparelho do Estado e da sobrevivência dos poderes políticos, que em regra presta o deplorável serviço público, gerador das incompetências, do roubo e da corrupção banalizada, mas à farta?

Este Governo, que é suporte da Nação há 45 anos, habituou-nos mais a ser o centro das soluções ou é o centro das tempestades, nunca mudando na determinação dos seus membros, em negar responsabilidades e recusar culpas, enquanto amedronta e denigre todos os que se lhe opõe?

Pois, o País tem de traçar uma linha de demarcação do que é admissível, para daí passar ao que seja possível e a seguir entrar no que é desejável. Este é um momento histórico em que o Estado, que assume o monopólio da distribuição da justiça, tem de ir neutralizando os interesses enquistados que dele se apoderaram, assumindo a necessidade de adoptar políticas criminais mais severas, que almejem ir recompondo os valores de que foi sendo, com dolo, usurpado. Até mesmo por estar, como sempre esteve, a lidar com uma "casta de agentes" que jamais espontaneamente se ofereceu para reparar os danos; nunca deu qualquer sinal, ténue que fosse, de arrependimento como não demonstra mínima sinceridade e alguma presteza, na devolução do que dolosamente subtraiu ao Estado. E à Nação! Até Zaqueu logrou obter perdão, mas, quando se propôs devolver quatro vezes mais do que o que roubara.

Se é verdade que, como diz HR, a doutrina dominante tende para a atenuação da pena de prisão, como forma mais eficaz de reparação dos danos, não é menos verdade que a jurisprudência adoptada pelos tribunais superiores desses mesmos lugares, estabeleça alguns critérios para que o sistema judicial não venha a promover uma deficiente protecção dos bens jurídicos tutelados. Entre eles, estão o reduzido grau de reprovação social do seu comportamento, a inexpressividade da lesão jurídica causada e a mínima ofensividade da conduta dos agentes. O que de todo não nos parece ser o nosso caso, em que os sujeitos activos, suspeitos ou até mesmo arguidos, fazem despudoradamente da conduta reprovável um modo de viver em sociedade. Tal é o caso dos "casamentos das arábias" dos seus filhos, até com direito à presença do Sr. Presidente da República, para não esquecer o desprezo a que devotaram a lei de repatriamento voluntário de capitais, de tão curtidos que são, em abusos impunes.

Não deveremos continuar à mercê de homens que para si baniram o medo e a honra e ficaram só com a ganância. É pois esse medo que é preciso reintroduzir e essa honra que é preciso reinstalar, a um nível nunca antes conseguido. E esses valores só se conseguem pela aplicação da justiça, essa mesma que deixa à solta os piratas, os assaltantes, os ladrões de laço e toda a sorte de malfeitores encartados e protegidos por ela mesma, quando e onde não lhe faltaram os cúmplices de todas as horas.

E foi que ninguém o duvide, o domínio partidário do aparelho do Estado e a sua subserviência aos poderes político / económicos, que, em regra, nos deram um péssimo serviço público, a incompetência que grassa, o roubo e a corrupção sem limites. Um Estado, que montou uma Administração Pública desnatada, cheia de servidores com discursos poéticos, mas de zero-efeito prático. Que não soube libertar-se de ser o empecilho cúmplice de 45 anos de domínio total.

Eis porque teremos dificuldades acrescidas de inverter a rota dos nossos atrasos, para não assumirmos o caminho de ficar ainda pior.

E tudo se passa como se um processo criminal e a lei que lhe subjaz, em que o interesse público foi severamente atingido, tivesse por finalidade principal a reparação da vítima e da sua personalidade e não a punição severa, exemplar dos infractores. As circunstâncias há muito que recomendam agir diferente, sobretudo porque este é o momento em que a nossa história reclama o dever do sacrifício.

É, pois, certo que em nenhum só lugar se encontra Lei ou jurisprudência que adopte o princípio da insignificância para condutas penalmente relevantes. Por isso é duvidoso que a evolução dos institutos de reparação dos danos, por substituição de um Código Penal mais que desactualizado, se deva ou tenha de se fazer no sentido da atenuação das penas num quadro em que nenhuma efectiva demonstração de arrependimento foi publicamente prestada; sequer alguma espontaneidade da reparação. Bem pelo contrário, deparamo-nos com agentes dissociados da lógica da integridade e ao serviço do bem comum; com uma total ausência de sinceridade, aqui e ali se revelando saber e poderem ser, arguidos bem protegidos por cumplicidades mais que muitas, urdindo argumentos "espertiosos" calculistas, apoiados em muito poder e todo o dinheiro, sempre nas suas vestes de tecidos finos e pedras preciosas, exibindo vaidades e ganância, senhores de comportamentos condenáveis que banalizaram, porque sem nenhum receio de saltarem da ribalta política em que se projectaram, para a fogueira da indignação popular, fingindo não haver nenhum problema mesmo que, acabando por se constituir num panteão de patifes.

Entendo, pois, que no actual contexto se deva ponderar em que sociedade vivemos e quais os fenómenos que dela relevam e a dominam. Daí se aconselhar mais do que a adopção moderna da atenuação de medidas do Código Penal, um código porventura benevolente, porque a preparar conforto para os próximos futuros condenados, digo se aconselha, a criação de tribunais especializados (tribunais especializados e não tribunais especiais); a redução da possibilidade de recurso dos arguidos; a inversão do onus da prova com a retirada total dos bens suspeitos de se incluírem nos crimes em julgamento; além claro que, do reforço e da modernização dos meios de investigação (SIC / PGR) junto com a capacidade de apreciação dos casos de enorme complexidade ( como são muitos dos nossos), incluindo a facilitação dos meios de denúncia e a diminuição da carga burocrática da complexidade legal, actual.

Jamais poderemos aspirar a nos afirmar como uma sociedade de princípios éticos, probos e honrados se for o Estado ele mesmo, a fixá-los e a fixá-los com se fossem gostos. Isto enquanto vivemos num ambiente social em que as maiores das nossas preocupações incluem, não apenas a ausência de governantes cidadãos responsáveis, conscientes dos seus deveres, afeiçoados à integridade, como também o abalo da confiança na justiça, a falta de idoneidade de grande número dos seus servidores; por não ser nem competente nem independente, para além das suas crónicas insuficiências funcionais.

Juntamente com o julgamento dos infractores, é preciso discutir os desafios que a Nação enfrenta, diante dos ideais que podem ajudar a resolver os problemas. E esses ideais, o seu discurso, a ter de estar mais genuinamente voltado para agradar as pessoas do País real e não aos membros dos partidos ou da Assembleia Nacional; para que a opinião que o povo tenha sobre o senso comum das medidas, seja mais reflectida no que acontece.

Doutro modo será pouco provável que o Governo mantenha por muito mais tempo, a capacidade de inspirar confiança, tanto menos quanto a sua postura se revele incapaz de resistir aos homens cujo enriquecimento também lhes trouxe subjacente, mais poder.

*Gestor