A figura do Abafador deixou o campo da medicina e o ambiente da aldeias, tendo migrado também para a política, para os seus jogos e manobras, e até ganhou gosto pelo ambiente palaciano, da manipulação e manobras de diversão, propaganda e contrapropaganda. Os tempos modernos, as novas dinâmicas de alcance e manutenção do poder, os nossos interesses corporativos e de grupos trouxeram um novo Abafador. Este já não "abafa a dor", permite que ela permaneça, só que a direcciona para outrem, é um promotor da dor e da indignação, mas obviamente criando novos alvos, novos focos, novas agendas.

O novo (e nosso) Abafador precisa de abafar tudo e todos à sua volta, todos que o antecederam e, se calhar, até aqueles que hão-de vir. Ele abafa todos, à excepção dos seus zelosos auxiliares. Ele precisa de reinar, precisa de se impor, precisa de ser um rei no seu castelo. O seu castelo é a sua zona de conforto, é o seu último reduto, a sua última fronteira. É lá que ele impera e impõe toda a sua majestade.

O Abafador viveu e conviveu com as suas actuais vítimas e hoje sente necessidade de "abafar a dor" desta vivência/existência, mantendo com alguns deles uma relação de amor e ódio. Ele parece um toureiro na arena, com a missão de provocar a morte lenta do animal. E fá-lo perante uma plateia que assiste com vigor ao espectáculo. O animal é massacrado sem piedade num ambiente mediático e virtual bem orquestrado.

A sua morte é preparada, planeada e antecipada. O Abafador faz isso por pura necessidade existencial. Ele precisa de "matar" para sobreviver. Ele vive no seu mundo e dos seus. O futuro? O futuro não interessa, pois, se necessário for, ele também o antecipa. O passado? O passado e as suas referências devem ser apagados. Para ele, o que não se explica implica.

Num dia estamos a ser idolatrados pelo poder que alcançámos e no outro abandonados pelo insucesso que nos tornámos. A política tem uma agenda bem definida e alinhada, a Economia cria espaço para a afirmação dos nossos interesses e as estratégias de grupo, a Justiça ganhou gosto pela selectividade e o espectáculo mediático, a comunicação social está quase controlada e asfixiada (para não dizer abafada), o monopólio do Estado ganha força e os "indesejáveis" deixam de ter espaço e voz.

Surgem novos "culpados disto tudo" e abafam-se outros nomes e as suas envolvências. Todo o posicionamento de um líder, de um estadista e seus auxiliares, que configure uma espécie de censura ou limitação de liberdades, pode cair junto dos cidadãos como ideia de uma ditadura velada. Não podem hoje os jornalistas dormir no privado e acordarem amanhã no público.

A governação está também nos detalhes e, nestes detalhes, vamos percebendo que sempre tivemos uma governação que, em vez de comunicar frontalmente, vai dando "toques", que em vez de falar abertamente vai mandando "bocas" e que, em vez de ouvir, vai "ignorando com sucesso". A negação ou desvalorização do outro é praticada ao mais alto nível. A negação é um mecanismo de defesa contra factos demasiado dolorosos de suportar ou aturar, nega-se o outro não só porque não se concorda com a sua opinião, mas, na maior parte dos casos, porque não se lhe reconhece o direito de contrariar ou de tomar uma posição diferente de quem manda, ou de quem ordena. O indivíduo não conta, só as estruturas interessam. A asfixia é geral e o clima a tornar-se insustentável e o Abafador cada vez mais implacável contra quem respira ares diferentes do seu. Certamente não saberá que, depois de si, virá quem de si mal dirá e o "abafará". Depois de um Abafador, surge sempre um novo Abafador, eles "abafam-se" uns aos outros. É a triste sina das nossas lideranças.