Desde o início das transformações que foram levadas a cabo em Angola que o edifício sociológico começou a ser mal construído. Qualquer espécie de transformação intelectual (falamos de qualidade) só é possível depois da estruturação de novas formas de produção e pelo surgimento de novas classes tecnicamente mais habilitadas à direcção de uma nova estrutura económica (quantidade). Ou seja, a preocupação primeira devia ter passado por uma transformação profunda ao nível das estruturas, acompanhada de um aumento organizado e dirigido das forças produtivas em simultâneo com a escolha de quadros suficientemente aptos para a direcção da actividade económica essencial. Não tendo sido feito nenhum tipo de transformação quantitativa, jamais se poderia esperar por uma mudança qualitativa. Pior um pouco com as mudanças geracionais que nos vão trazendo gente que, se do ponto de vista dos conhecimentos técnicos devia, em teoria, estar bem mais preparada do que as anteriores gerações, nos está a apresentar um quadro lúgubre.

De enorme pobreza intelectual, de falsas aptidões, mesmo numa perspectiva mecanicista (os que se dizem altamente competentes do ponto de vista profissional e que vivem sempre na retaguarda afirmando que não são políticos nem da actividade política são adeptos mesmo que o façam minuto a minuto...), provando-nos todos os dias que pouco mais têm para nos oferecer que o pior da burguesia colonial já tinha inventado. Uma forma estranha de vida onde ninguém trabalha, ninguém produz, ninguém é capaz de justificar a sua ascensão social, ninguém é capaz de utilizar a língua portuguesa para além do trivial e ainda assim repleta de erros. Ninguém é capaz de ultrapassar o estágio de desenvolvimento que acabe com as noções falsamente burguesas da caridade com os pobrezinhos em vez de pensar em lutar pelo pleno emprego, das esmolas aos miseráveis em lugar de um combate organizado contra a pobreza e num individualismo doentio em lugar de uma consciência plena e responsável de que todos somos iguais perante a lei...

Lembrando um estudioso marxista (será que conhecem a palavra?), o nosso grau de desenvolvimento regrediu "a uma forma primitiva de confusão e de completa absorção do elemento individual no elemento social, assinalada na ordem económica pela ausência de qualquer indústria". E prossegue: "A incultura do homem médio, a falta de verdadeira preparação científica e humana, a fragilidade - quando não o deserto árido e inóspito - das convicções são, na verdade, uma das grandes, das desoladoras desventuras da nossa época".

Querer demonstrar o inverso, por via do exercício de um poder económico-financeiro atingido, como todos sabemos, por via da acumulação pura e dura do capital, não facilita um processo de evolução da consciência que coloca o Homem numa posição de sujeito e a realidade por objecto. Um processo de descoberta, estudo e aprendizagem de caboucos fundamentais à realização efectiva das finalidades humanas... A aquisição da Cultura - enquanto escolha do ser humano para estabelecer, pela via da razão, a sua consciência e a sua influência qualitativa na sociedade em que vive, que leva, num nível posterior, à criação de elites - não pode ser confundida com o nome e a filiação de cada um ou quem são as suas amizades. Lembrando Sócrates, "para se ser culto é preciso possuir-se, como condição prévia, a consciência da nossa incultura e da nossa humildade".