Logo no início da pandemia, um dos "lixos" que chocaram o País, pelo facto de muitos estarem distraídos ou atraídos para outras preocupações, foi a constatação de que a maioria das escolas não tinha água. Esse assunto, por si só, devia ser um motivo de séria preocupação, ponderação e análise ao mais alto nível da cadeia do poder angolano.

Para quem não sabe, informo que as escolas primárias são da responsabilidade dos governos locais (construção, manutenção, contratação, material didáctico, entre outras coisas). Vimos nascer em todas as províncias obras que não eram prioritárias e vimos obras que foram pagas, mas nunca foram terminadas. Não cabe na compreensão de ninguém que a avaliação da escola primária pública tenha sido tão negligenciada a ponto de ter ficado provado que, para além de não terem carteiras, materiais didácticos, energia, ainda não tinham água. Se a escola primária não se tornar na instituição social pública mais acarinhada, a mais bem financiada e a mais protegida (por ser obrigatória e o pilar de toda a educação), jamais teremos desenvolvimento, por maior que seja o crescimento económico, e nunca lograremos um país para todos, sem fome.

Como poderemos pretender construir cidadãos responsáveis se não lhes damos os mínimos olímpicos presentes em países com menos recursos que o nosso? Que exemplo estamos a dar quando o Governo acha normal que as escolas não tenham água, não tenham carteiras, não tenham nada que seja capaz de fazer nascer a criatividade, o desafio, o sentido e a curiosidade para a transformação das nossas crianças e, do outro lado, vemos os gastos do aparelho governativo que não abdica de nenhum tipo de luxo? Como aceitar que a maioria dos alunos e professores defeque e urine nas imediações da escola em público e sem pudor, e só a Assembleia Nacional gaste milhares de dólares em papel higiénico? Que sociedade de valores estamos a construir? Não ouvimos, infelizmente, em nenhuma notícia que tenha sido criado um programa global para colocar água em todas as escolas, mesmo durante a pandemia, quando outros gastos foram tidos em conta como o metro de superfície, que não é nenhuma prioridade, antes pelo contrário, é um desajustado luxo num país esburacado e cheio de lixo.

Os "lixos" que por causa da negligência institucional têm sido reiterados a cada ano são imensos. Estão na Saúde ineficaz por falta de equipamentos de diagnóstico, meios materiais (incluindo água), técnicos e humanos. Temos "lixo" na Administração Pública, que não é avaliada e sustenta um número assustador de "funcionários turistas" que usam a instituição para fins próprios, num perpétuo desafio ao combate à impunidade e à luta contra a corrupção. Há "lixo" nos programas de propaganda desactualizados, descontextualizados, cuja eficácia nunca foi avaliada na resolução dos males que pretendiam resolver, não obstante os milhões de dólares que engoliram, a exemplo do "Programa de Água para Todos", do saneamento ausente e da vergonha de termos um país sem bastidores, onde tudo acontece a céu aberto e as cidades são construídas do asfalto para cima, sem um sistema de vigilância competente.

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