A questão está: e se falharem? E se, de um momento para o outro, grande parte das habituais relações económicas bilaterais e multilaterais forem obrigadas a ficar suspensas, por motivo de força maior? Pois bem, estamos a viver esse cenário que muitos dos mais ferranhos adeptos do liberalismo e do fluxo global de capitais não previam (pelo menos em tempos como este, desta forma).
O novo coronavírus é muito mais do que um grave problema sanitário. Não vou discutir ciência (nem tenho conhecimentos para isso), mas é óbvio que se trata de um vírus que se propaga rapidamente e atinge qualquer pessoa. Perante este cenário, existem duas opções. Numa abordagem, declara-se rapidamente "Estado de Emergência" - como o presidente João Lourenço decretou, segundo especialistas, no timing certo -, privilegiando assim a saúde ao invés da economia (e como aconteceu também com Portugal). Noutra, totalmente diferente, adotam-se medidas (como na Suécia, por exemplo) mais, digamos, liberais, não estagnando por completo a economia, com a consequência do vírus se propagar mais depressa pela população mas, ao mesmo tempo, atingindo o pico da doença rapidamente e, consequentemente, alcançando a tão falada "imunidade de grupo". Em qualquer dos casos, existem grandes efeitos económicos subjacentes (em dimensões diferentes, é certo), muito devido à interligação e dependência mútua das economias.
Após esta explicação, é tempo de concentrar as próximas palavras no caso angolano, que é o que mais nos interessa. Para tentar descodificar o real impacto desta pandemia na economia, temos de ter implícitos três grandes temas-pilares: China, petróleo e dívida pública, e ajuste nas expetativas, sendo que o último conceito é um resultado das duas conceções anteriores.
Como todos sabemos, a China é, do ponto de vista económico, a mais fundamental peça no tabuleiro internacional. Para Angola, é ainda mais do que isso - é uma das suas principais fontes de sustento (se não a maior), não fosse a China o líder das importações angolanas e o principal destino das exportações. Com o início do vírus na China, grande parte dos investimentos e financiamentos previstos para estes primeiros meses de 2020 ficaram, consequentemente, suspensos.
É aqui importante realçar que Angola foi "categorizada", pela Moody"s, como um dos três países emergentes endividados mais vulneráveis às perturbações constantes nos mercados financeiros devido à recessão económica causada pela pandemia atual.
O caso do petróleo é tão dramático quanto histórico. A economia angolana é, como se sabe, bastante dependente do mercado petrolífero. A gravidade da dependência vai muito para além da mesma - recorde-se que os preços estão em mínimos do século, caindo dois terços desde o início do ano de 2020 (e a queda continua). Diariamente, inúmeros barris de petróleo têm sido colocados em stand-by (cerca de 70% dos carregamentos, segundo dados recentes) devido a este colapso sanitário-económico. Por um lado, a China, maior consumidor do petróleo angolano, diminui a procura; por outro, os refinadores ocidentais oscilam, muito devido ao retorno financeiro atual existente (as margens de lucro são curtas).
Assim, após a confrontação com estes, a economia angolana, já débil e com um elevado endividamento, vê assim a situação a piorar gravemente, com o aumento do desemprego (que já era bastante alto) a ser uma das primeiras consequências económico-sociais de destaque. Todo a economia informal, perante este confinamento social, será duramente afetada, visto que grande parte dos trabalhadores recebem ao dia ou por tarefa. Desta forma, ao permanecerem em casa, perdem a sua total e única fonte de rendimento.
O cenário é muito desfavorável e preocupante, e especialistas admitem um provável default. Apesar do povo angolano estar habituado a lidar com dificuldades diariamente e até ao longo da sua história, e não querendo ser pessimista, constatando apenas os factos, a situação será dura e penosa para os angolanos. Num ano em que, segundo a autoridade máxima do país, se previa uma viragem positiva, o panorama atual diz-nos que haverá um movimento contrário - maiores complicações económicas.
As soluções? Bem, isso é o mais difícil para dissertar. Contudo, creio que deva existir, como está previsto pelo programa do governo angolano, a criação de linhas de crédito e apoio a particulares e empresas - tentando suportar aqueles que já estão sem qualquer tipo de receita. Não podendo recorrer de apoio ao abrigo da Associação para o Desenvolvimento Internacional, do Banco Mundial, é crucial aumentar o diálogo e as relações com as instituições de financiamento multilateral, tendo o FMI (com uma ampliação da ajuda financeira a Angola) um papel fundamental para amenizar os impactos fortes já esperados.