Não é difícil ver, a despeito da campanha mediática, que o referido plano põe a nu, pelo menos no que ao sector social diz respeito, a insustentável leveza da tese segundo a qual vivemos sob um novo paradigma de governação.Na prática, estamos perante uma nova roupagem da velha e malograda fórmula de investimentos públicos assente no abismo da contingência, pois baseada na ausência de estratégias de desenvolvimento regionais concebidas como parte estruturante de uma estratégia maior.

Acima de quaisquer planos, há-de haver um projecto de País que, quatro décadas depois da independência, retrace o horizonte possível, renove o contrato social, redefina a trilha da trajectória colectiva e remobilize a nação em torno de realizações fecundas, tarefas essas que seriam de todo irrealizáveis sem a assunção do papel de liderança pelo Estado. Isto, sim, corresponderá a uma maneira substancialmente diversa de abordar as profundas mazelas nacionais.

Daí que o mais importante não é saber se os 2 mil milhões de dólares nunca deveriam ter saído do Fundo Soberano ou se o PIIM coloca em marcha uma operação táctica do partido no poder com vista a protelar a institucionalização das autarquias locais, conforme críticas dos partidos da oposição. A questão crucial a ter-se em conta é que insistir na implementação de políticas públicas a retalho e por meio de acções pontuais, por mais meritórias que tais acções se julguem, significa continuar a negligenciar a necessidade de se pensar e transformar estrategicamente o País.

O caso da educação afigura-se particularmente ilustrativo da falência imaginativa em que soçobram as políticas em pauta. A maioria das escolas do ensino primário que se constroem um pouco por todos os municípios ao abrigo do PIIM reflecte, de forma eloquente, a inexistência de um ideário à luz do qual a educação desempenharia a função de instrumento da transformação almejada.

Este obsoleto modelo de escola pública ? composto por 7 a 12 salas de aula, casas de banho, pátio e áreas administrativas ? não faz mais do que dar sobrevida a uma matriz educacional básica cujos resultados pífios ninguém em sã consciência se atreve a negar. Digamos que a exiguidade da infra-estrutura escolar explica, em parte, a precariedade de ensino primário que temos.

Em contrapartida, um novo tipo de escola primária pública angolana, enquanto realização de um projecto nacional de desenvolvimento, não só devesse ser uma escola maior em espaço, mas, sobretudo, uma escola maior em funções e tempo de permanência dos alunos, de modo a proporcionar um ensino integral e, ao mesmo tempo, capacitador.

A maior dimensão espacial e funcional atenderia tanto ao imperativo da inclusão escolar, através da ampliação da rede e da retenção dos alunos, quanto ao imperativo da qualificação do ensino, através da ampliação da oferta de meios e conteúdos científicos, desportivos, artísticos e cívicos indispensáveis à formação de habilidades e competências que permitiriam, em longo prazo, gerar indivíduos autónomos e extrair da inteligência humana a riqueza que apenas extraímos da graça finita da natureza.

Assim, uma nova escola primária pública angolana não se limitaria a expandir o acesso, como tem ocorrido até aqui. Ela teria como finalidade, justamente, romper o círculo vicioso da universalização formal divorciada da igualdade de facto: o ensino para todos deixaria de ser a capacitação de alguns pouquíssimos.

Para o efeito, a disparidade de capital cultural e económico verificada no seio dos alunos seria compensada com a disponibilização de bens educacionais complementares e serviços de primeira necessidade na e a partir da escola: alfabetização digital, escrita e leitura criativas, música e xadrez, transporte, alimentação e assistência médica. O que garantiria que a qualidade do ensino que uma criança receberia não dependesse das condições de vida familiar, do estrato social ou da área de residência. Só assim estaria assegurada, para o futuro, a igualdade de oportunidades profissionais, de mobilidade social e de emancipação individual.Claro está que uma revolução ao nível da educação jamais triunfaria sem uma classe docente altamente qualificada, dignamente remunerada e com possibilidade de aperfeiçoamento constante, sem uma nova maneira de ensinar e de aprender, sem um regime de avaliação que permitisse comparações internas e com outros sistemas de ensino. De qualquer modo, as escolas do PIIM acabam por ser mais uma oportunidade perdida para a construção de uma matriz educacional básica alternativa no contexto da mudança de rumo pretendida.

A escassez de dinheiro não justifica a rarefacção de ideias, pese embora os números demonstrem que o investimento na educação nunca foi, de facto, uma prioridade. Inventar e experimentar um novo tipo de escola primária pública implica verbas, mas implica muito mais imaginação, ambição e audácia. Eis aquilo de que desesperadamente precisamos...

*Investigador no Centro de Estudos Africanos da UCAN