No caso vertente, o articulista assume-se como sendo o cidadão beninense com aquele nome, mas o seu grande domínio do Português, o seu conhecimentos do quotidiano angolano e o para mim honroso escrutínio das minhas recentes publicações no Novo Jornal e em "O País", permitem-me suspeitar que apenas emprestou o nome a um seu aliado, que eu passo a designar como UPM (Utilizador do Pseudónimo Medegan), talvez um escritor como o que, há tempos, perante as minhas reservas sobre o produto proposto por Medegan para tratar a Anemia de Células Falciformes, me perguntou se eu não teria remorsos se se viesse a provar que o produto era bom. Na altura, respondi-lhe, como lhe respondo agora, que não era uma opinião pessoal, mas, sim, a resultante do consenso científico internacional de então (e de agora).
É bom ressaltar que era sobre as regras de consenso científico que versava o meu artigo sobre Medicina Tradicional que motivou esta diatribe. E sobre isso, UPM nada contraria, e o teor do seu texto apenas vem reforçar a minha tese de que o uso do medicamento proposto por Medegan é um bom exemplo da ausência duma metodologia científica para se avaliar o benefício de novos medicamentos.
Continua a não existir uma coisa que eu pedi ao aludido escritor naquela altura, a publicação numa revista médica idónea dum ensaio aleatório, controlado, duplamente cego, que prove algum benefício do medicamento. É esta a prática usual do progresso do conhecimento científico: um primeiro artigo publicado, alguma contestação, tentativa de reprodução dos resultados por outros autores, mais discussão, e, gradualmente obtenção dum consenso, que nunca é absoluto nem definitivo.
Mohamed Rahimi, professor de Pediatria em Cotonou, que já esteve entre nós e é uma das autoridade da doença em África, confirmou-me que o produto não tinha sido objecto de publicação, não era usado no seu país, e mostrou-me documentação de, em duas ocasiões, as tentativas de promoção do medicamento em duas universidades francesas não terem seguimento, porque Medegan desapareceu assim que lhe falaram da necessidade de fazer um estudo segundo os parâmetros adoptados no meio científico (que esses, sim, seriam matéria para uma publicação científica, a provar ou não a bondade do novo medicamentos). De resto, quando no primeiro contacto que tive com Medegan me ofereci para fazermos um ensaio pelo menos controlado, na clínica de Luanda, como eu tinha realizado com outro produto proposto então pela Sandoz, ele escusou-se ... dizendo que isso já estava a ser feito em França...
Fica, mesmo para os leitores leigos, de que UPM subestima grosseiramente a cultura geral e científica, clarificado o cerne da questão. Vou agora, o mais brevemente possível, tratar do conjunto de argumentos ad hominem que constituem a matéria publicada:
- Humildemente, confesso a grande lacuna de nunca de que tinha ouvido falar no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que parece obviamente garantir patentes de invenções registadas em França e que, também parece óbvio, julga o valor original, mas não científico de qualquer invenção, nas mais variadas áreas;
- Também reconheço a minha pena, por não ter sido convidado para Nice Acropolis, em 1991;
- Mas nego por completo os "factos históricos" relatados sobre uma reunião em Cotonou: na única em que participei aí, a convite do então encarregado do pelouro das doenças não Transmissíveis na OMS/Afro, Dr. António Filipe Júnior, vi o Dr. Medegan na Assembleia, mas não se atreveu a falar sequer do seu produto perante os professores da Nigéria, do Benim e do Gana. A suposta cena descrita à volta de outro produto, envolvendo-me a mim e outro protagonista, não teve lugar, é uma pura confabulação, como podem corroborar os outros três médicos angolanos presentes. Fui informado que Medegan faltou ao encontro que, nessa altura, tinha sido agendado com o representante da OMS, Dr. Filipe Jr.
- Mas, mais do que enaltecer as qualidades do VK500, o artigo, sobretudo nos últimos parágrafos, ocupa-se em criticar certo produto, de que não adianta o nome, tão tóxico que os que o receitam são acusados de crime e mesmo genocídio, de tal forma que "cientistas africanos" teriam depositado uma queixa junto do Tribunal Penal Internacional. Pois esse produto estava a ser vendido por mim e os meus acólitos (SIC), afinal não era Medegan e os seus sócios a venderem o VK500...
O medicamento não nomeado, deduz-se, dada a infelizmente escassa lista de agentes benéficos específicos para a doença, que seja a Hidroxicarbamida ou Hidroxiureia, que é presentemente prescrita a título profilático a todos os doentes drepanocíticos na América e na Europa. Na África, é correntemente usada nos países anglófonos, é ou era menos nos países francófonos (mas é recomendado pelo Prof. Leon Tschilolo, a principal autoridade da doença na RDC). Em Angola, é prescrito nas clínicas privadas e (dados os custos elevados nas farmácias) eu prescrevo muito selectivamente à clientela pobre dos Hospitais (...como sabem, eu não vendo medicamentos...).
Esta é a realidade, nos antípodas da descrição paranoide do texto de UPM. É mais um mau serviço prestado à comunidade dos doentes, ao procurar dissuadi-los de beneficiarem dum produto que os pode ajudar na sua doença.
Em Janeiro de 2019, foi publicado, nos EUA, no semanário médico mais lido e mais citado do Mundo, New England Journal of Medicine, um estudo prospectivo de 400 crianças tratadas profilaticamente com Hidroxiureia em cada um de quatro países africanos (Angola, República Democrática do Congo, Quénia e Uganda), que visa regular todas as vertentes do uso do medicamento em África (Hydroxyurea for Children with Sickle Cell Anemia in Sub-Saharan Africa, NEJM. 2019; 380:121-131). Para os mal pensantes, esclareça-se que o autor por Angola deste estudo, que continua a decorrer na nossa Consulta do Hospital Pediátrico de Luanda, não sou eu.
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