Deste modo, é irrefutável que, por vezes, este conjunto de relações estabelecidas entre os indivíduos e o volume de informações transaccionadas escapam à esfera de controlo do Estado, permitindo o surgimento de novos actores e de relações conhecidas hoje como relações transnacionais.

Estes actores, por via das suas acções, e, por vezes, de natureza criminosa são capazes de alterar a ordem interna de um Estado ou influenciar o sistema internacional com apenas um clique, tal como aconteceu no Norte de África e no Médio Oriente, com o surgimento da Primavera Árabe (revolução facebook ), ou ainda o conhecido ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, nos EUA.

Em 2013, foram vários os ecos a nível nacional e internacional de uma possível Primavera Angolana, devido às manifestações que foram surgindo contra a candidatura do antigo Presidente, José Eduardo dos Santos. Os activistas utilizavam, com frequência, blogues (www.drowski3,blogspot.com e revolucaoangolana.webs.com), redes sociais e telemóveis para comunicar as suas mensagens. O certo é que não passou de uma aspiração, porque tinham apenas um carácter organizado e capacidade de produção de conteúdo a nível virtual, mas, no terreno, a capacidade de mobilização de pessoas era fraca, segundo Sebastião Martins, in: Labirintos Mundiais. Tais pretensões começaram por despertar o interesse do Executivo anterior à criação de leis que visassem a regulação do uso das redes sociais, o que gerou debates que colocavam a sociedade em dois pólos: defensor da sua regulação e um outro contra, porque limita as liberdades de expressão.

Recentemente, o novo Executivo aprovou a Lei 11/20, de 23 de Abril, sobre identificação ou localização celular e da vigilância electrónica. Portanto, este acesso permitido por lei levanta questões ligas à ética e à moral sobre a intrusão ao mundo privado das pessoas.

Entre os dilemas que se levantam sobre a intrusão no mundo privado das pessoas e legislação das redes sociais ou a vigilância electrónica, o certo é que a revolução tecnológica, sobretudo digital, transformou o mundo num espaço muito perigoso, onde as ameaças são multidireccionais e multidimensionais, desafiando, cada vez mais, os sistemas de segurança dos estados. Deste modo, Angola não está imune a estas acções transnacionais, aos riscos e às ameaças que resultam do uso da internet e da sua relação com as suas infra-estruturas de informação.

Por exemplo, recentemente vimos, nas nossas televisões, uma peça do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigadores (ICJI, sigla em inglês), de que mais de 30 países tiveram acesso às informações privilegiadas das operações feitas na Sonangol. Ainda na mesma empresa, num passado muito recente, foi divulgado pelos media nacionais (Angop e outros) e internacional (Voz da América) que o sistema informático da Sonangol tinha sido vítima de um ataque cibernético e, para neutralizar o ataque, foi feito um "shut down " aos servidores.

Adicionalmente, em menos de um mês, grande parte dos usuários da Unitel recebeu, à madrugada, chamadas de números internacionais, deixando, assim, em pânico à sociedade como se fosse um ataque cibernético na qual foram roubados dados pessoais. Em respostas às operadoras, informaram não ter havido roubo de informações e que o sistema das empresas de telecomunicações tinha sido visitado por estranhos, o que facilitou a execução do crime económico ou "toque e foge ".

Portanto, entre ataques cibernéticos e o crime económico toque e foge, ficaram claras as vulnerabilidades existentes no nosso ciberespaço. Assim sendo, quais são, então, os desafios dos Serviços de Inteligência (SI) angolanos na era digital?

As acções mencionadas alertam-nos para a necessidade de realização de estudos aprofundados sobre as políticas de Defesa e Segurança do nosso ciberespaço, o que implica três grandes desafios aos SI, no meu entender:

? A criação de um sistema robusto, eficaz e eficiente, capaz de identificar, prevenir, detectar e responder com antecedência a ataques cibernéticos;

? A identificação do fluxo de informação veiculada em redes sociais e plataformas digitais;

? A criação de um plano de desenvolvimento de cultura de segurança a nível corporativo e uma análise minuciosa do perfil dos consultores externos que prestam consultoria a empresas estratégicas.

Para tal, é fundamental uma unidade de vigilância electrónica capaz de identificar as ciberameaças (hackeres, cibercriminosos, espiões, activistas, pornografia infantil, terrorismo, tráfico de drogas e seres humanos, branqueamento de capitais, sabotagem, estelionato e outros estados.), no sentido de garantir a segurança nacional. Importa mencionar que a referida unidade deve operar dentro dos marcos legais e dos princípios éticos, de modo que o simples exercício cívico de cidadania nas redes sócias não se confunda como uma ameaça à segurança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revolução tecnológica e o acesso à internet põem em ligação directa os indivíduos sem medo da interferência do Estado. O espaço virtual veio, de facto, acabar com a separação outrora nítida entre política interna e externa. O fluxo de informações transaccionadas em rede, sobretudo de natureza criminosa, passou a ser dificilmente controlada pelos estados.

Esta dinâmica imposta pelas novas tecnologias de informação exigem dos SI angolanos uma constante reavaliação, adaptação às novas tendências e uma abordagem ampla de segurança que leve, fundamentalmente, em consideração as ameaças não-militares.

3 É importante referir que o shut down não é garantia de segurança absoluta.

4 Consiste na realização de uma chamada telefónica a determinado número e o visado, ao retornar a chamada, aumenta crédito à empresa operadora. É um esquema muito frequente na América Latina no seio das pequenas empresas que efectuam chamadas para o exterior.

Quer queiramos ou não, precisamos de perceber que a internet criou um mundo on-line, que, no entanto, afecta a realidade física, ameaçando a segurança do Estado. As redes sociais devem ser vistas como uma questão de extrema importância para os SI, pois parecem ser a ferramenta mais inovadora e eficaz para entender as interacções e dinâmicas sociais. Os SI devem manter sempre o equilíbrio entre os direitos dos indivíduos e a legitimidade do interesse de segurança durante a produção de informação de inteligência nos media sociais (SOCMINT).

Em relação ao nosso ciberespaço, é necessário que se criem políticas e estratégias de cibersegurança que facilitem uma abordagem pró-activa, holística e uma métrica que possa medir as vulnerabilidades do ciberespaço e, assim, fazer uma melhor gestão dos riscos.

*Bibliotecário