Desencontros que haveriam de nos voltar a colocar de costas viradas, mesmo dentro da mesma casa e ao redor da mesma família. Desencontros que revelaram não termos sido capazes de cicatrizar velhas feridas e de saldar, à sombra do Jango, contas antigas.

Com perspicaz premonição, aquele investigador gaulês, que (ante)via longe, sem nunca ter posto os pés nesta terra, parece que, afinal, tinha razão.

Sentenciando na sua magistral obra "Áfrique noire est mal partie" o destino da África francófona a partir de 1960, por aqui rapidamente nos associou a uma porção lusófona de África também perdida em patológicas ambições internas, que também "começara mal" e que, teimosa, insistia em "continuar mal"...

Primeiro em tempo de guerra, o tempo que corroeu a alma das nossas vidas. Depois em tempo de paz, o tempo que deu à luz algumas das nossas maiores ilusões e desilusões.

E por fim, entre estes dois tempos, em tempo de bonança petrolífera, que ao provocar uma monumental bebedeira entre as nossas elites, acabou por impulsionar a instalação de um estilo de governação que insistiu sempre em colocar a carroça à frente dos bois.

Continuou a ser assim com o alastramento da pandemia da corrupção, que para além de desafiar e de derrubar as leis concebidas para a sua neutralização, por aqui, dobrada a uma esquizofrénica afirmação, acabou por corromper-se a si própria! E, por se expor como um poderoso Polvo que persiste agora em estrangular o Estado.

Mas, os nossos desencontros mantêm-se vivos por aqui. Com os postos de comando dos vários domínios da governação entregues a figurantes adeptos de visões alucinantes, os desencontros encontraram e continuam até hoje a encontrar o seu amparo em fantasiosas perspectivas de crescimento económico e social.

Essas perspectivas, apoiadas no vazio, acabaram por se revelar sempre completamente deslocadas da nossa realidade e sempre incompatíveis com as nossas (limitadíssimas) capacidades.

A receita sempre pareceu mágica. Todos garantiam em uníssono que a economia ia crescer, a inflação baixar, o crédito aumentar e que as reservas internacionais iam subir incessantemente. Tudo era estabilidade, optimismo e vivacidade.

E nessa toada triunfalista, os desencontros não pararam. Os disparates também. E associados ao surgimento de novos "Césares", assistimos à exibição de peças de arte que, misturando pretenso enciclopedismo académico com folclore propagandístico, são dignas de figurar na galeria das nossas comédias políticas.

E se pensávamos que já tínhamos consumido os anti-retrovirais suficientes que nos pusessem a salvo dos efeitos desta pandemia, estamos profundamente equivocados.

Provou-o o Ministro da Economia em recente entrevista à TPA. Com a entrevistadora escoltada por olhares tutelares, o governante fez uma espantosa confissão de amor, declarando-se adepto do encolhimento do nosso espaço territorial para que Angola possa ser bem governada. A sorte é que, olhando num extremo para a China e noutro para a Guiné-Bissau, ninguém levou a sério a piada...

O que já não pode ser configurado como uma piada é a imposição de uma "autorização superior" decretada pela Comissão Interministerial de Combate à COVID-19 para que os angolanos no exterior possam regressar ao seu próprio país.

De tão bizarro, o caso ressuscita os fantasmas securitários que no século passado pairavam sobre os cidadãos nacionais então condicionados à obtenção de um visto para poderem entrar em Angola. É hora, pois, do absurdo desta decisão, que não encontra paralelo em nenhum país, ser imediatamente abandonado!

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