Fi-lo conferindo tonalidades diferentes ao comportamento de uma e de outra. Fi-lo consciente de que pastoreados, durante décadas, por uma visão atrofiada do poder, hoje já só restam os restos mortais do legado da antiga geração...

Fi-lo, distinguindo, por um lado, o comportamento da geração de causas, a geração forjada na luta de libertação nacional pela via armada e pela via clandestina.

Fi-lo, censurando, por outro lado, o comportamento de uma geração de casos e... efeitos, a geração fabricada, oleada, modelada e robotizada em série nas linhas de montagem da máquina governativa.

Herdeira de uma tradição de protestos protagonizados pelos movimentos culturais precursores da saga nacionalista que antecedeu a luta armada, a geração que hoje dirige o país, colocada diante da maior crise de afirmação do poder em Angola, é agora desafiada a olhar para o espelho com lentes desembaciadas para, como adverte o filósofo e ensaísta norte-americano Noam Chomsky, não "empurrar os ponteiros do relógio do apocalipse em direcção à meia noite"...

Esta geração anda a reboque de um líder que teve o mérito de ter proporcionado o refrescamento democrático da sociedade, mas integra um partido dividido onde nem toda a guarda na parada obedece às ordens do chefe e que, agora, está a patinar perante o espelho das suas próprias contradições.

Essa geração, que habita um partido que não é o mesmo que já foi há anos, tem de perceber que faz parte de uma agremiação que sofre actualmente dos efeitos da passividade de uma parte importante da sua elite pensante, que tendo sido determinante no passado na definição das suas grandes estratégias, hoje está remetida ao silêncio nas reuniões e assobia para o lado perante a crescente e perigosa erosão da sua identidade.

Essa geração tem de perceber que enfrenta um momento novo, que, perante um tempo que não espera, exige uma urgente, profunda e inadiável mudança da natureza do poder; que, se quiser um novo voto de confiança em 2022, não pode esperar pelo Congresso do MPLA em Dezembro de 2021 para traçar um novo rumo...

Essa geração, que também já foi rebelde, não pode continuar a agarrar-se às saias de um discurso ortodoxo e inundado de estereótipos para acusar os manifestantes de estarem a ser manipulados por forças ocultas, como se não sentissem as agruras da vida, não pensassem por si e não pudessem ser gente...

Essa geração tem de olhar para o passado e perceber que o aproveitamento político, em todas as épocas - e no exercício da arte o MPLA já foi mestre - constitui um apanágio de todos os movimentos oposicionistas, não devendo agora transformar isso num fantasma...

Essa geração não pode ser ingénua e ignorar que o aumento do desemprego, da fome e da miséria estão a alimentar uma combustão que não se esfuma partido-politizando-a e tapando o sol com a peneira...

Essa geração, em vez de se apresentar brutalizada, tem de ter capacidade de ouvir quem grita, porque quem grita, grita porque quer mais do que sobreviver; quem grita, grita porque desespera; quem grita, grita porque ainda tem esperança...

Essa geração não pode ter medo da liberdade e se carrega às costas um sistema policial montado para combater e reprimir a desordem social, não o foi, porém, para matar os desordeiros; se carrega às costas um sistema de informação montado para prevenir actos subversivos, não o foi, porém, para espiolhar a vida dos cidadãos através de escutas ilegais e nojentas dos seus telefonemas.

Essa geração tem de perceber que a população não é um saco de batatas e que a chave do poder deixou de estar na estridência da propaganda oca e imbecil para se fixar na capacidade de mobilização de massa cinzenta diferenciada e capaz de olear e pôr a máquina a funcionar colocando os homens certos nos lugares certos.

Essa geração tem de perceber que é chegada a hora de incorporar na superstrutura decisória do país as vozes independentes; coabitar com a dissensão sem ceder ao triunfo do ostracismo e rejeitar as correntes submissas e acéfalas.

Essa geração tem de perceber que a actual vaga de descontentamento é um sinal claro de que começa a chegar aos limites a paciência da "geração dos novos Luatys" nascidos em 2002 a qual, não se revendo nos partidos, constituirá a coluna vertebral do corpo eleitoral em 2022...

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)