É um ano que depende da lucidez política e da clareza de rumo da liderança do país, da competência técnica e da capacidade de diálogo das autoridades com os parceiros na gestão da crise pandémica e da determinação dos governantes na aplicação de medidas que ajudem a estancar o derrame de desesperança que se vai apoderando da população.
Por isso é que o ano que agora começou não é um ano qualquer. É o ano que, desde a semana passada, assinala o lançamento da nova agenda política do partido do Governo - o MPLA - e o ano também que marca o desembainhar das espadas eleitorais do maior partido na oposição - a UNITA.
De um e outro, proprietários da bipolarização partidária do País, espera-se que deixem de aparecer embalsamados por velhos dogmas e mitos. Espera-se que apresentem uma mensagem reconfigurada do ponto de vista político e servida à altura das exigências de um novo eleitorado.
Espera-se que compreendam que este eleitorado está cansado do discurso ancorado no passado e não suporta mais promessas adornadas por reciclagens sem eco no quotidiano das comunidades votantes.
Espera-se que entendam, de uma vez por todas, que, se o tempo é de incertezas, independentemente das adversidades impostas pela crise pandémica, o tempo, por causa da crise financeira, económica, ética e moral que devasta a sociedade, também é de mudanças!
Mudanças que, no final do ano, ganharam uma nova dimensão com o anúncio, pelo Presidente, de uma medida de grande alcance político, que passou praticamente despercebida da opinião pública: a redução dos efectivos das Forças Armadas.
Uma mudança que se impunha há muito tempo e que entra em linha com o princípio de que um exército grande não é (como vimos com as baratas tontas provenientes do Zaíre em 1975) necessariamente um grande exército...
Uma mudança que se impõe mais a mais estando diante de um dos exércitos do mundo com mais generais por metro quadrado...
Uma mudança que, perante a sua obesidade, aburguesamento de altas patentes e espírito gastador, desafia o poder político a voltar a convertê-lo num corpo moderno e ágil capaz de, em tempo de paz, se transformar num dos grandes aliados do Governo no auxílio às populações em diversas frentes sociais e na reabilitação de infra-estruturas enquadradas na reconstrução nacional.
Mudanças que se apontam para o emagrecimento das FAA, desafiam, noutra latitude, o Presidente a aplicar uma dieta de igual proporção ao aparelho central do Estado, pondo fim à sobreposição de funções de ministros que se atropelam e a uma máquina enferrujada e viciada que precisa de se tornar menos pesada e burocrática e mais expedita, funcional e competente. Estender esse saneamento ao Governo e à administração central do Estado é uma questão de coerência política.
Mudanças que, se são encorajadas também com iniciativas como aquelas que, a nível do grupo parlamentar do MPLA, deram lugar a uma discussão aberta sobre as desgraças provocadas pela corrupção e pela impunidade, podem, porém, esvair-se em incoerência política quando essas mesmas mudanças esbarram na sub-reptícia oposição da própria Oposição, depois de esta ter acusado o Governo de estar enlameado em corrupção até à medula...
Tão grave quanto isso é a imoralidade consubstanciada também na declarada oposição à penalização dos delapidadores do erário, assumida pelo antigo secretário-geral do MPLA, Boavida Neto.
Afigura-se, desde logo, inaceitável pretender outorgar gratuitamente perdão a quem não tenha a honestidade política de assumir os crimes a que terá incorrido.
Afigura-se imoral outorgar gratuitamente perdão a quem não tenha assumido a frontalidade de se colocar à disposição do poder judicial, para ajuizamento do seu comportamento.
Negar esse princípio básico é colocar a carroça à frente dos bois, é advogar a compensação do crime, é mascarar o fim da institucionalização do poder dos inimputáveis e é hipotecar pura e simplesmente a pretendida restauração moral e ética da sociedade.
Negar esse princípio básico é afrontar tudo quanto tem sido até agora defendido pelo Presidente, pelo MPLA e por vários segmentos da sociedade civil.
As transgressões nesta matéria podem dar lugar à censura ética. Mas, também podem dar lugar a absolvições. Havendo, porém, mais do que simples transgressões, poderá haver espaço para processos-crime.
Claudicar ou branquear esse princípio, perante a arrogância de alguns prevaricadores, só contribuirá para abalar a imagem do Presidente. E tratar uns como filhos e outros como enteados só minará a confiança dos cidadãos no sistema judicial.
Se tem havido espaço para a condenação de simples administradores municipais, não será aceitável que não haja espaço para fazer o mesmo a governantes e políticos com a mais alta responsabilidade no aparelho do Estado. É uma questão de coerência.
Instituído o princípio da presunção da inocência, quem não deve não teme! O que não pode haver é espaço para ter medo.
O que não pode haver é espaço para lamúrias gratuitas que mais não servem do que para desvirtuar o exercício da autoridade e tentar diluir os eventuais crimes no tempo e no esquecimento...
É claro que, ao dar a cara na defesa da sua tese - ao contrário do que faz a generalidade dos dirigentes do MPLA especializados na arte da cobardia - na mesma linha do que já havia feito na entrevista dada em 2019 ao Expansão, Boavida Neto acabou por revelar uma notável coerência.
E ao assumir uma posição que encerra uma verdadeira "declaração de guerra", se calhar, o antigo governador do Namibe só está a querer demonstrar quão "infectado" está pelo consumo ao extremo do culto da perseguição...
Se calhar, o antigo governador do Bié só está a querer avivar a memória a quem se tenha esquecido de que é um dos raros dirigentes da cúpula do seu partido que andou à chuva, mas não se molhou...
Aqui chegados, depois de ter dito, mal ou bem, o que disse e o que pensa, facilmente se conclui para que lado, afinal, está virado este antigo produto da nossa "Konsomol". Vida facilitada para o líder do MPLA. Vida facilitada também para quem está na linha da frente do combate à corrupção...
Ao recusar, por outro lado, embrulhar o combate à corrupção numa manta cosmética para embelezar simples mudança de paradigma, o MPLA precisa, em primeiro lugar, de desempoeirar o cérebro do seu corpo dirigente, rejuvenescer as suas ideias, cultivar o compromisso com a seriedade e assumir novos comportamentos perante a sociedade.
Precisa de uma mudança que não volte a colocar o seu activismo partidário sob o domínio de agentes de propaganda barata como, por exemplo, o antigo "ajudante de campo" do Sambizanga, José Tavares, que, comprovadamente desacreditados, não trazem nenhum valor acrescentado à paróquia...
Precisa de uma mudança que, recusando ver a instabilidade como uma arma potenciada pela instigação de forças estranhas, aconselhe a quem governa a olhar para a (ine) ficácia das políticas públicas e a concluir que, em primeiro lugar, é a sua falência e a fragilidade dos seus executantes que ateiam fogo ao descontentamento popular, às manifestações de rua, à desordem social e à contestação ao poder político.
Por isso, é que combater as causas e não adormecer sobre as consequências, disparando contra a árvore, mas ignorando a floresta, é uma questão de coerência política de dimensão providencial.
Tão providencial que o Governo também já não pode fingir que não sabe que a Polícia encarna uma dificuldade "epidérmica" em lidar com protestos e em explicar, "tim tim por tim tim", o que se passa em torno das manifestações, acabando (quase) sempre por ser desmentida pelos vídeos.
Tão desastrosa tem sido, muitas vezes, a sua actuação que, ao reflectir sobre a génese do problema das Lundas, o Governo precisa agora de decidir, com carácter de urgência, se quer ter um verdadeiro Comandante à frente da Corporação ou se, não abdicando do exercício da autoridade, prefere ter um agente que mais parece um activista de uma facção guerrilheira. É tudo uma questão de coerência...