Os brasileiros usam a expressão "papo furado", já os falantes da língua inglesa têm uma expressão muito interessante e bastante divulgada na sétima arte, que é o " bullshit". Treta, do espanhol treta, que vem do francês tracte, ambos radicados no latim tractus, ganhou na língua portuguesa um significado pejorativo. O curioso é que a palavra era inicialmente usada no jargão da esgrima, tendo o sentido de " habilidade em aparar e devolver golpes".
Todos nós já agimos como treteiros algumas vezes, mas considero estranho e completamente desnecessário que um partido com a história, dimensão e responsabilidades de governação como o MPLA esteja nesta altura a trazer a debate, via comunicados, ou através de debates no serviço público de televisão, temas como dupla nacionalidade, raça e angolanidade, numa estratégia encapuzada de atingir directamente aquele que elegeu como o seu principal adversário político, o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior (ACJ), mas que conotou o partido dos camaradas a um discurso xenófobo, tribal e racista.
Aliás, na avaliação que o MPLA faz das lideranças políticas da oposição, ACJ surge como a única e real ameaça ao partido no poder. É descrito pelo MPLA como "o fenómeno político angolano", uma "figura superstar" e admitindo-se mesmo que pode trazer para o País "uma nova forma de se fazer política".
O seu estilo de comunicação é descrito pelos camaradas como "agressivo, fluente e forte", o que torna o líder da UNITA na condição de "alvo a ser vigiado e combatido até à exaustão" por todos os meios necessários. Há ocasiões em que vale revisitar a história política dos outros para repensar a nossa, não podendo o MPLA e os seus militantes escudarem-se no argumento de que apenas estão a devolver aquilo que o seu adversário político fazia ao seu ex-presidente, José Eduardo dos Santos, quando o acusava de ser cidadão santomense.
A capacidade de o MPLA permanecer como um grande partido de Governo estará sempre na qualidade, actualidade e inteligência do seu discurso, na elevação e substância do debate que propõe à sociedade, na definição de uma agenda real, com uma estratégia de futuro e visão para identificar, discutir e solucionar os principais problemas dos cidadãos.
"Em tempo de guerra, todo o buraco é trincheira". Ouvi há tempos. É sabido que João Lourenço, em termos de popularidade, está num dos piores momentos da sua governação. O desemprego aumenta todos os dias, a fome e a pobreza extrema são um "cartão-de-visita" em muitas partes do País, a diversificação e crescimento da economia tardam em acontecer, o combate à corrupção e a promoção de uma cultura de responsabilização ainda não estão dentro dos níveis preconizados. Aumento da oferta de emprego, justiça social e igualdade de oportunidades são algumas bandeiras lançadas por João Lourenço, mas cujos resultados tardam a chegar, agravados pela crise económica e agora pela Covid-19. Já se sente no seio dos cidadãos uma certa descrença nos políticos, nas suas políticas e na governação.
Vai-se vivendo em clima de indignação colectiva e agitação social e o que faz o partido que define a política de governação nacional? Alimenta a xenofobia, racismo e tribalismo desviando os cidadãos dos verdadeiros e reais problemas do País. Promove na comunicação pública e redes sociais debates menores, que são verdadeiras manobras de distracção para garantir o voto e a manutenção no poder. Promove, incentiva e alimenta ele próprio um debate sobre temas fracturantes que, no curto-prazo, o vão "fracturar" também.
O MPLA está, neste momento, a viver aquilo a que se chama "medos contraditórios": O medo do seu principal adversário político e medo de que a estratégia adoptada para o atacar cause danos na sua estrutura interna. É que, ao atacar o seu inimigo externo, João Lourenço não resolve os seus problemas com os inimigos internos que tem no MPLA. Muitos militantes não concordam com a estratégia de combate adoptada e defendem que o MPLA falha redondamente ao colocar ACJ no centro do debate político a dar-lhe tempo de antena e destaque mediático, mesmo estando ausente (por falta de convite) dos órgãos públicos de comunicação social.
O guião, apesar de bem estudado e decorado, está desactualizado, desenquadrado e passa ao lado daquilo que realmente interessa. Este é um filme que só vai estrear em 2022, mas, pelo seu "making off", já está condenado a ser um fracasso de bilheteira. O título do filme "Política da Treta". Preparem as pipocas!