Se os membros do Governo Central, provincial, institutos públicos e demais instituições do Estado trabalhassem no privado, já teriam sido todos demitidos, pois nenhuma empresa que pague um salário ao seu funcionário estaria disposta a aceitar que, em todos os relatórios, o referido funcionário dissesse que o seu trabalho tinha sido feito com enorme ESFORÇO.

Esta é uma postura militante que consta do precioso cânone das afirmações do MPLA há tantos anos, que já nem conseguem ver quão ridícula, ultrapassada e deprimente é escutar em todas as suas acções, da inauguração do chafariz ao repatriamento de cidadãos, na emergência da Covid, que o Governo, a empresa ou a instituição públicas empreenderam um enorme ESFORÇO para atingir aquele objectivo.

Já era assim no tempo do Presidente José Eduardo dos Santos, mas, neste novo Governo, que acreditei que fosse arejado, inovador, consequente, eficiente, com um plano determinante para o sucesso do nascimento da Nova Angola e desprovido de cansaço, o que vejo é o ESFORÇO ser empunhado como uma bandeira que pretende apelar à vitimização governamental, que infelizmente até já virou anedota nas redes sociais.

O tempo da pena passou com o fim da guerra, em que o ESFORÇO fez sentido. Depois foi tolerado pelos ouvidos das pessoas na esperança de que a mudança precisava de tempo e renovação, pois não acontece por Decreto. Mas hoje é inadmissível aceitar que toda a governação esteja a ser feita com ESFORÇO, sobretudo quando fica perceptível e os números não mentem que, para determinadas acções, a acção governava flui com tal liquidez que até parece que tem azeite.

Senão vejamos: não ouvimos em sítio nenhum que os 44 milhões de dólares que o Governo gastou com a nova sede da CNE tivesse sido feito com ESFORÇO. Não ouvimos que os 25 milhões de dólares que o Governo gastou para comprar aquele condomínio inacabado com 200 casas para a pandemia em Calumbo tivesse sido feito com ESFORÇO. Não nos foi informado quão grande foi o ESFORÇO feito para garantir cinco milhões de dólares para acomodar um dentista no Palácio Presidencial e uma biblioteca. Ninguém falou em ESFORÇO quando nos venderam a PPP do Metro de Superfície, nem do Bairro dos Ministérios. Gastar 30 milhões de dólares para retirar a cara de José Eduardo dos Santos também não era nenhuma prioridade. Estes são apenas alguns dos aberrantes exemplos recentes onde o ESFORÇO não foi necessário e que não são, em rigor, nenhuma prioridade.

Na verdade, o que eu gostaria de deixar aqui claro caso, por lapso, os queridos membros não tenham entendido, é que o único que faz ESFORÇO neste País é o Bom Povo. Cada pão (que até nos querem tirar do mata-bicho para comermos arroz doce ou mandioca) que todos os dias é levado à boca daqueles que ainda comem pão é um doloroso ESFORÇO. Cada passagem de candongueiro para a maioria da população é um tremendo ESFORÇO. Vencer um mês de trabalho com um salário miserável destituído de poder de compra face à inflação é um Grande ESFORÇO. Comprar medicamentos importados para salvar vidas é um gigantesco ESFORÇO. Enfrentar um bairro sem saneamento básico, cujas fossas a céu aberto nos matam com malária numa luta que desafia até o Espirito Santo, é, sem dúvida, um derradeiro ESFORÇO. Comprar água todos os dias para viver é um pesado ESFORÇO. Ir para a escola sem ter comido, como vão milhares de crianças, é um desumano ESFORÇO.

A lista do ESFORÇO do povo é infindável num país que ainda tem a lata de dizer aos seus filhos pobres, a quem nunca deu nada, que "a Pátria não implora, ordena". Mas mesmo assim, o povo não se fez de vítima. Não se sentou sobre o seu heróico ESFORÇO e ficou a chorar sobre o leite derramado. O povo ergueu-se como pôde e com as ferramentas que dispunha e contribui todos os dias para a estabilidade social e a garantia da paz, mesmo com fome no prato. O povo tem conseguido perdoar a ausência da distribuição equitativa da riqueza nacional, o falhanço dos programas que consomem milhões e não garantem soluções definitivas, cada plano de desenvolvimento social que não tem em conta as suas necessidades quotidianas mais elementares e, por isso, não o inclui. A inovação tem sido o maior constrangimento da governação em Angola, desde 1975.

O Povo é uma GRANDE LIÇÃO de empreendedorismo, de fé, de trabalho árduo, de eficácia e de dignidade, pois há 45 anos que consegue garantir os mínimos olímpicos de sobrevivência e deixou de sonhar com a máxima "o mais importante é resolver os problemas do povo", promessa histórica nunca cumprida e, ao invés de se lamentar, agradece, todos os dias, pelas ínfimas conquistas, a exemplo de no século XXI ainda batermos palmas a cada chafariz construído com ESFORÇO e que deixa de funcionar em muito pouco tempo.

O povo deixou de sonhar com mais do que aquilo que são as suas reais capacidades e possibilidades. Ergue-se todos os dias e, por isso, nunca ouvimos da boca de nenhuma quitandeira, que carrega na cabeça uma bacia atulhada de fruta, um filho nas costas e uns pés doridos de tanto palmilhar a cidade que a sua vida é um ESFORÇO. Antes pelo contrário, ela é grata por poder dar jantar aos filhos (nas vezes que os fiscais não lhes roubam a bacia), poder dançar quando ouve música na zunga e sorrir com sorriso genuíno sempre que lhe compramos fruta e, muitas vezes, ainda tem a bondade de dar «esquebras».

E o exemplo das nossas quitandeiras devia ser o exemplo dirigente. Sorrir por produzir soluções definitivas, entregar a obra sem lamento, construir dignidade sem cobrar. A política é uma actividade voluntária e bem remunerada. O trabalho é feito em instalações refrigeradas, com segurança, comodidade e conforto. Com dezenas de secretárias, assessores, directores, que facilitam a vida dos governantes para poderem com mestria fazer o seu trabalho. No que tange ao ESFORÇO, ele não existe quando é feito com amor pelo próximo, porque a governação flui, quando a prioridade é o que tem que trazer conforto para os governados e quando o plano foi desenhado depois de se ouvirem as melhores vozes demonstrando, como dizia a minha avó Madalena Victória Pereira, que "a Humildade, mesmo em excesso, é como a água benta e nunca fez mal a ninguém".