Com efeito, acompanhando um acto tão importante, qualquer que seja o ângulo para que ele olhemos, vimos um certo tipo de gente - o mesmo, aliás, de há vários anos, porque a verdade é que é sempre do mesmo núcleo de privilegiados que partem estes maus exemplos - a discorrer sobre as indumentárias escolhidas para a cerimónia, explicando alguns (mas) por que razão se vestiram desta ou daquela maneira...

Cenas do género fazem-nos recordar velhas histórias de velhos colonos que, nos anos 50, começando a acumular capital e a tornarem-se ricos, uma das primeiras decisões que tomavam era alcatifar a sua casa. O que, se já de si era ridículo, dado o clima em que vivemos, tornava-se mais ridículo ainda o facto de, chegando a casa, cuspirem para a alcatifa. O típico exemplo de quem, estando a enriquecer velozmente, não tinha ainda ultrapassado a condição de "primata". O dinheiro dava poder, dava importância, mas não dava nem educação e muito menos cultura.

Há uns anos atrás, neste nosso semanário, falámos de uma "geração de idiotas" num texto de opinião, onde alertávamos para o perigo de possíveis desmandos futuros por parte de uma ou duas gerações, em resultado da falta de valores, de educação e de cultura, que não lhes podia ser transmitido por seus pais. Pela simples razão de não as terem. E por inerência, não poderem passar o que não tinham e continuam a não ter. Princípios essenciais de respeito e consideração pelos outros, regras básicas de não se exporem, com os seus luxos e os seus excessos (sejam verbais ou de vestuário) numa realidade como a nossa.

Habituámo-nos - e está nos "livros" já agora - que as burguesias consolidadas, com "pedigree", são, normalmente, pouco dadas a actos de ostentação e de exteriorização de vaidades imbecis. Que ao longo da História, grandes Homens e Mulheres que tiveram um papel fundamental na transformação positiva do Mundo, revoltaram-se, exactamente por serem oriundos dessa mesma burguesia, dadas as profundas injustiças sociais a que assistiam e que estiveram na origem das suas futuras escolhas políticas, cívicas e morais. Mas ainda assim, essa burguesia, além de discreta, tornava-se culta, amante das artes e muitas vezes particularmente atenta às transformações de cada tempo, de cada momento, de cada nova fase histórica e política.

Voltemos ao que nos trouxe aqui hoje. O ora empossado Presidente da República tem tido o cuidado, variadíssimas vezes já, de apelar a todos os que acumularam capital durante os anos de grande bonança, a reinvesti-lo no seu (no nosso) País. Em qualquer área produtiva, desde que crie riqueza - para si evidentemente - mas que ajude de alguma forma, na criação de emprego, no aumento da produção interna de vários bens que somos obrigados a importar e ajude a estancar a sangria de divisas que estamos a sofrer, pondo termo a um ciclo que nos vai acabar por levar inevitavelmente a pedir de novos empréstimos às organizações financeiras internacionais que, como sabemos, têm nenhum sentido de Humanidade e apenas um objectivo. Maximizar os seus lucros, obrigar os estados a reduzirem os já de si depauperados serviços públicos, e afundando ainda mais as condições sociais da maioria dos angolanos.

A resposta deste núcleo de gente ao apelo do Presidente João Lourenço é esta: continua a passear-se por metade do mundo, mantém a sua vida de forma arrogante e perversa, desde a condução diária dos seus carrões, impondo as suas próprias regras de trânsito até, como vimos, às preocupações imbecis com o que hão-de vestir amanhã. Mais grave ainda: trazendo para o grande público que inunda as redes sociais, o resultado descarado da sua falta de sensatez e de bom senso.

"Quem dá o que tem, a mais não é obrigado". Uma velha frase, sempre actual e, aparentemente, cada vez mais verdadeira. Pede-se, por isso, algum respeito pela miséria alheia, algum recolhimento, alguma consideração pelos outros. Nem que seja para defesa do bom nome de progenitores e correligionários que, ainda que culpados pela consolidação destas idiotices, acabam por pagar o preço do descaramento, do atrevimento e da falta de educação dos seus filhos.