Ora, para que haja saúde, é necessário dinheiro, muito dinheiro, para se garantir todos os serviços de saúde, desde o diagnóstico, a prevenção e ao tratamento.
O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2018-2022) visa a melhoria dos Indicadores de morbilidade e mortalidade, com impacto na diminuição das Taxas de Mortalidade Materno-Infantil (que nos continuam a envergonhar) e das mortes evitáveis, nomeadamente pela Malária, VIH/SIDA, Tuberculose, doenças não transmissíveis (diabetes, hipertensão...), entre outras.
O Sistema Nacional de Saúde (SNS) continua a demonstrar enormes debilidades estruturantes, desde a capacidade instalada de resposta (gestão), na qualidade das infra-estruturas físicas, tecnológicas (equipamento, produtos farmacêuticos e dispositivos médicos) e na capacidade diferenciada dos recursos humanos.
Os problemas, todos nós conhecemos!
O que falta?
Vontade e coragem de REFORMAR.
É preciso reflectir sobre que SNS pretendemos. Como o sustentar, quem fará parte dele, como e por quanto.
É preciso REFORMAR na disponibilidade do orçamento (pelo menos 10% do OGE), para que os desafios do País, a nível sanitário, sejam realizáveis.
É preciso REFORMAR no modelo de gestão das unidades sanitárias a todos os níveis (do primário ao terciário) e adequar aos desafios futuros, nomeadamente das autarquias, do crescimento e densidade populacional e dos investimentos públicos. Reforçar os cuidados primários é crucial (Centros de Saúde, Médico, Enfermeiros e ADECO de família/Bairro).
É preciso REFORMAR a tipologia de infra-estruturas que se pretende, tornando-as viáveis em conformidade com os serviços e a população a prestar, bem como ajustada à capacidade orçamental dotada.
É preciso REFORMAR a capacitação dos recursos humanos, desde as faculdades, cursos técnico-profissionais e especialidades. A avaliação de desempenho, a meritocracia no acesso aos cursos de Medicina e para as especialidades, a criação de centros universitários de excelência e eliminar a massificação da formação é imperioso.
A pandemia pela SARS COV2 desafia o País a REFORMAR.
REFORMAR exige coragem.
A oportunidade foi dada, com coragem e determinação, com o Decreto Executivo Conjunto n.º 252/20, de 19 de Outubro.
Já muito se escreveu e bem sobre a gestão da pandemia.
O certo, o menos conseguido e os erros.
Os recursos financeiros são muito limitados.
Os desafios do País são enormes.
A economia está em contracção pelas várias conjunturas conhecidas (internas e externas). As questões sociais, desde o desemprego à fome, tornam a REFORMA do nosso SNS uma inevitabilidade, pela sua sustentabilidade.
A co-participação é uma forma justa de reforçar o SNS, por permitir uma gestão mais equilibrada e racional dos testes para a SARS COV2.
Os critérios definidos para a co-participação (testagem particular e voluntária, viagens de carácter pessoal) são utilizados em todos os países, não somos a excepção.
Só assim, conseguiremos, de facto, testar os sintomáticos, os contactos dos positivos, os profissionais, garantir alguma sustentabilidade e disponibilidade de testagem para as actividades essenciais, em que, claramente, não se incluem as viagens particulares.
Não temos condições económicas para testar toda a população. Logo, é preciso definir-se os critérios para esse efeito. Foi feito e bem feito.
Temos de ter a coragem de assumir, pela escassez de recursos financeiros e humanos, porque a desnutrição (fome), a malária, a tuberculose e o VIH/SIDA continuam a matar todos os dias muitos angolanos, mais do que a Covid-19. Os nossos maiores inimigos são bem visíveis e bem mais baratos de serem vencidos.
A REFORMA iniciou-se também ao serem seleccionados apenas alguns laboratórios privados para a testagem da SARS COV2. Um processo iniciado em Luanda (8 em mais de 100 Laboratórios) e que deverá ser extensivo às restantes províncias, dentro dos mesmos requisitos e critérios.
O valor dos testes laboratoriais mede-se pela sua acurácia (sensibilidade e especificidade).
O custo dos testes laboratoriais é elevado. A cadeia de necessidades para um resultado laboratorial de confiança exige desde tecnologia e metodologia certificada (equipamentos), insumos (reagentes e material de colheita), manutenção permanente dos equipamentos, bem como a validação médica e especializada dos resultados, num enquadramento clínico.
Toda a cadeia de necessidades (reagentes, controlos, calibradores, material de colheita) é adquirida por importação (preço dependente da constante depreciação do Kwanza), tal como o custo elevado dos equipamentos e das manutenções, pelo que o preço final dum exame laboratorial é sempre elevado.
O desafio da pandemia destapou, finalmente, a necessidade de se certificar o acto da Medicina Laboratorial, dando finalmente início à legislação para esse efeito. É preciso REFORMAR o acto laboratorial. 70% das decisões clínicas advêm de resultados de análises clínicas. E todos conhecemos o impacto de resultados não validados por competência médica e especializada.
Para o diagnóstico da SARS COV2, existem duas abordagens:
1 - Pesquisa directa por métodos de biologia molecular, com pesquisa por identificação do material genético do vírus, sendo a PCR-RT o mais famoso método em uso; existem também no mercado, mas com menos acurácia, a pesquisa directa de antigénios virais, na maioria por ELISA, havendo também por metodologia molecular, contudo ainda em processo de certificação pelas autoridades competentes (INIS/MINSA);
2 - Pesquisa indirecta, pela pesquisa de anticorpos IgG e IgM por métodos de ELISA qualitativos (testes de imunocromatografia rápidos) e os testes quantitativos por variadas metodologias ELISA (ELFA, quimioluminescência).
Todos os testes podem apresentar falsos negativos.
O método de PCR-RT é o melhor marcador para a infecção primária e com maior acurácia.
Os testes serológicos qualitativos e quantitativos permitem o diagnóstico de quadros clínicos tardios (evolução após o 5.º - 8.º dia) e são os utilizados para o rastreamento de populações, pela sua rapidez e menor custo, pese ter menor sensibilidade e especificidade, logo com algumas limitações na interpretação dos resultados (contexto clínico e epidemiológico).
Iniciado o desafio da REFORMA, é hora de se iniciar também o uso das Taxas Moderadoras, por ser uma ferramenta de justiça social (salvaguardando as devidas excepções e isenções) e de equilíbrio entre as unidades sanitárias (sustentabilidade) e os serviços prestados entre o público e o privado.
A hora é esta de REFORMAR, e a SARS COV2 está-nos a dar esta oportunidade.
Reformar o SNS é um imperativo para a sobrevivência dos angolanos.
Somos capazes. A hora tem de ser esta. Agora!
*Médica Especialista em Patologia Clínica